Considerando que é dever do Estado, imposto pelo sistema normativo,
manter em seus presídios os padrões mínimos de humanidade previstos no
ordenamento jurídico, é de sua responsabilidade, nos termos do art. 37, §
6º, da Constituição, a obrigação de ressarcir os danos, inclusive
morais, comprovadamente causados aos detentos em decorrência da falta ou
insuficiência das condições legais de encarceramento.
Com essa orientação, o Tribunal, em conclusão e por maioria, deu
provimento a recurso extraordinário para restabelecer o juízo
condenatório nos termos e limites do acórdão proferido no julgamento da
apelação, a qual fixara indenização no valor de dois mil reais a favor
de detento. Consoante o acórdão restabelecido, estaria caracterizado o
dano moral porque, após laudo de vigilância sanitária no presídio e
decorrido lapso temporal, não teriam sido sanados os problemas de
superlotação e de falta de condições mínimas de saúde e de higiene do
estabelecimento penal. Além disso, não sendo assegurado o mínimo
existencial, seria inaplicável a teoria da reserva do possível — v.
Informativos 770 e 784.
Prevaleceu o voto do ministro Teori Zavascki (relator).
Registrou, de início, a inexistência de controvérsia a respeito dos
fatos da causa e da configuração do dano moral, haja vista o
reconhecimento, pelo próprio acórdão recorrido, da precariedade do
sistema penitenciário estadual, que lesou direitos fundamentais do
recorrente, quanto à dignidade, intimidade, higidez física e integridade
psíquica. Portanto, sendo incontroversos os fatos da causa e a
ocorrência do dano, afirmou que a questão jurídica desenvolvida no
recurso ficou restrita à reparabilidade, ou seja, à existência ou não da
obrigação do Estado de ressarcir os danos morais verificados nas
circunstâncias enunciadas.
Em seguida, consignou que a matéria jurídica está no âmbito da
responsabilidade civil do Estado de responder pelos danos, até mesmo
morais, causados por ação ou omissão de seus agentes, nos termos do art.
37, § 6º, da CF, preceito normativo autoaplicável, que não se sujeita a
intermediação legislativa ou a providência administrativa de qualquer
espécie. Ocorrido o dano e estabelecido o seu nexo causal com a atuação
da Administração ou dos seus agentes, nasce a responsabilidade civil do
Estado. Sendo assim e tendo em conta que, no caso, a configuração do
dano é matéria incontroversa, não há como acolher os argumentos que
invocam, para negar o dever estatal de indenizar, o princípio da reserva
do possível, na dimensão reducionista de significar a insuficiência de
recursos financeiros.
Frisou que Estado é responsável pela guarda e segurança das pessoas
submetidas a encarceramento, enquanto ali permanecerem detidas, e que é
seu dever mantê-las em condições carcerárias com mínimos padrões de
humanidade estabelecidos em lei, bem como, se for o caso, ressarcir os
danos que daí decorrerem.
Ademais, asseverou que as violações a direitos fundamentais causadoras
de danos pessoais a detentos em estabelecimentos carcerários não
poderiam ser relevadas ao argumento de que a indenização não teria o
alcance para eliminar o grave problema prisional globalmente
considerado, dependente da definição e da implantação de políticas
públicas específicas, providências de atribuição legislativa e
administrativa, não de provimentos judiciais. Sustentou que admitir essa
assertiva significaria justificar a perpetuação da desumana situação
constatada em presídios como aquele onde cumprida a pena do recorrente.
Relembrou que a garantia mínima de segurança pessoal, física e psíquica
dos detentos constitui dever estatal que tem amplo lastro não apenas no
ordenamento nacional (CF, art. 5º, XLVII, “e”; XLVIII; XLIX; Lei
7.210/1984 - LEP, arts. 10, 11, 12, 40, 85, 87, 88; Lei 9.455/1997 -
crime de tortura; Lei 12.874/2013 - Sistema Nacional de Prevenção e
Combate à Tortura), como também em fontes normativas internacionais
adotadas pelo Brasil (Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos
das Nações Unidas; Convenção Americana de Direitos Humanos; Princípios e
Boas Práticas para a Proteção de Pessoas Privadas de Liberdade nas
Américas, contida na Resolução 1/2008, aprovada pela Comissão
Interamericana de Direitos Humanos; Convenção da Organização das Nações
Unidas contra Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou
Degradantes; Regras Mínimas para o Tratamento de Prisioneiros, adotadas
no 1º Congresso das Nações Unidas para a Prevenção ao Crime e
Tratamento de Delinquentes).
A criação de subterfúgios teóricos — como a separação dos Poderes, a
reserva do possível e a natureza coletiva dos danos sofridos — para
afastar a responsabilidade estatal pelas calamitosas condições da
carceragem afronta não apenas o sentido do art. 37, § 6º, da CF, mas
também determina o esvaziamento das inúmeras cláusulas constitucionais e
convencionais citadas. O descumprimento reiterado dessas cláusulas se
transforma em mero e inconsequente ato de fatalidade, o que não pode ser
tolerado.
Por fim, o relator enfatizou que a invocação seletiva de razões de
Estado para negar, especificamente a determinada categoria de sujeitos, o
direito à integridade física e moral não é compatível com o sentido e o
alcance do princípio da jurisdição. Acolher essas razões é o mesmo que
recusar aos detentos os mecanismos de reparação judicial dos danos
sofridos, deixando-os descobertos de qualquer proteção estatal, em
condição de vulnerabilidade juridicamente desastrosa. É dupla negativa:
do direito e da jurisdição.
Os ministros Edson Fachin e Marco Aurélio deram provimento ao recurso
extraordinário em maior extensão, para acolher o pedido formulado, na
petição inicial, pela Defensoria Pública, de indenização de um salário
mínimo por mês de detenção enquanto presentes as condições degradantes
de superlotação.
Vencidos os ministros Roberto Barroso, Luiz Fux e Celso de Mello, que,
ao darem provimento ao recurso, adotavam a remição da pena como forma de
indenização.
RE 580252/MS, rel. orig. Min. Teori Zavascki, red. p/ o ac. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 16.2.2017. (RE-580252)
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