STJ condena homem a indenizar ex-companheira por transmissão do vírus HIV
24 de março de 2019, 9h20
É
possível reconhecer a responsabilidade civil de pessoa que transmite o
vírus HIV em relação conjugal quando presentes os pressupostos da
conduta do agente: dolo ou culpa, dano e nexo de causalidade.
Com esse entendimento, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça
manteve acórdão que condenou um homem a pagar R$ 120 mil de indenização
por ter contaminado a ex-companheira com o vírus.
De acordo com o
relator, ministro Luis Felipe Salomão, não há precedente específico no
STJ para o caso. Ele apontou que a responsabilidade civil nas relações
de família vem sendo objeto de debates jurídicos, cabendo ao aplicador
do direito a tarefa de reconhecer a ocorrência de eventual ilícito e o
correspondente dever de indenizar.
"Por óbvio que o
transmissor sabedor de sua condição anterior e que procede conduta de
forma voluntária e dirigida ao resultado – contágio – responderá civil e
criminalmente pelo dolo direto de seu desígnio", afirmou o ministro,
que frisou que quando o portador não tem consciência da condição muito
dificilmente poderá ser responsabilizado.
Segundo
Salomão, quando o cônjuge, ciente de sua possível contaminação, não faz o
exame de HIV, não informa o parceiro sobre isso e não usa métodos de
prevenção, ficam evidentes a negligência e a imprudência. "O parceiro
que suspeita de sua condição soropositiva, por ter adotado comportamento
sabidamente temerário (vida promíscua, utilização de drogas injetáveis,
entre outras), deve assumir os riscos de sua conduta", disse.
Não
há falar em responsabilização ou ela deverá ser mitigada, disse o
ministro, “quando a vítima houver concorrido de alguma forma para sua
contaminação, seja assumindo o risco, seja não se precavendo
adequadamente”.
Histórico do caso
No caso, a mulher ajuizou ação contra o ex-companheiro, com quem manteve
união estável durante 15 anos, por ter sido infectada pelo HIV nesse
período. Ela pediu pensão mensal de R$ 1.200 e danos morais no valor de
R$ 250 mil.
A sentença e o acórdão do Tribunal de
Justiça mineiro reconheceram a responsabilidade civil porque foi
comprovado no processo que ele tinha sabia da sua condição, além de ter
assumido o risco com o comportamento. Em primeiro grau, a indenização
foi fixada em R$ 50 mil, mas foi aumentada para R$ 120 mil pelo TJ, que
também negou o pagamento da pensão mensal.
Em recurso, o
homem alegou que o acórdão foi omisso e sustentou que não foram
preenchidos os elementos da responsabilidade civil. A mulher, também em
recurso ao STJ, pediu a reforma do acórdão para aumentar o valor da
indenização e fixar a pensão mensal.
Negligência
Para o ministro, no caso analisado, ficou provado que o homem foi o
efetivo transmissor do vírus para a companheira, assumindo o risco com o
seu comportamento.
"Ainda que não tivesse como
desígnio a efetiva transmissão do vírus HIV, [o homem] acabou assumindo o
risco de fazê-lo, seja porque já era sabedor de sua soropositividade no
momento das relações sexuais com a sua companheira – sem informá-la de
sua condição e sem adotar as devidas precauções –, seja porque adotava
comportamento extraconjugal de risco (vida promíscua), devendo ser
responsabilizado por sua conduta", afirmou.
Ao confirmar
a decisão do TJ-MG, o ministro disse ser evidente a violação ao direito
da personalidade da autora, com "lesão de sua honra, intimidade e,
sobretudo, de sua integridade moral e física, a ensejar reparação pelos
danos morais sofridos"
Quanto à pretensão da pensão, a
turma negou provimento ao seu recurso porque a análise desse pedido
exigiria o reexame de provas sobre a capacidade de trabalho da
recorrente, o que não é possível por causa da Súmula 7 do STJ. O
processo está em segredo de Justiça. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.
Revista Consultor Jurídico, 24 de março de 2019, 9h20
Em uma década, judicialização da saúde pública e privada cresce 130%
Cláudia Collucci
São Paulo
O número de ações judiciais relativas à saúde no Brasil aumentou 130% entre 2008 e 2017, um crescimento muito mais rápido que o observado no volume total de processos (50%).
No período, o volume de ações em primeira instância
pulou de 41.453 para 95.752, totalizando quase 500 mil processos. Em
segunda instância, foi de 2.969 para 40.658, somando quase 270 mil.
São demandas contra o SUS e contra planos de saúde que requerem de
novos remédios e procedimentos de alta complexidade a coisas básicas,
como leitos hospitalares, consultas e medicamentos.
[ x ]
Os
dados são de um estudo nacional inédito sobre a judicialização da saúde
realizado pelo Insper, sob encomenda do CNJ (Conselho Nacional de
Justiça), e divulgado nesta segunda (18) em um seminário no Hospital
Sírio-Libanês.Além de mostrar o crescimento de processos, o trabalho revelou diferenças regionais da judicialização de segunda instância. Na região norte, os pedidos por leitos estão
presentes em 75,2% das demandas (uma única ação pode envolver vários
itens). Já no sudeste, esse pleito foi responsável por 36,7% das ações.
"O Brasil é diferente na judicialização da saúde. Há vários tipos,
com perfis e efeitos distintos. Há necessidade de políticas apropriadas
para cada um desses problemas", diz Paulo Furquim, professor do Insper e
um dos coordenadores do estudo.
Presente no evento, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta,
disse que, no SUS, há judicialização "de acesso pontual a medicamentos
que estão na rede nacional, e de uma quantidade enorme de pequenas
cirurgias, que são frutos da desorganização do sistema, da falta de
informatização e do subfinanciamento".
Porém, segundo ele, a judicialização que mais preocupa é a que
busca a incorporação de novos insumos e tecnologias. O ministro afirma
que uma das saídas encontradas será o compartilhamento de risco com a
indústria.
Ou seja, o laboratório precisa comprovar a eficácia do remédio distribuído à população,
sob risco de ter de devolver o recurso aos cofres públicos. Na Itália,
por exemplo, 65% das decisões utilizam dessa estratégia.
Em relação às demandas judiciais contra o SUS, medicamentos aparecem em 73,8% dos casos. Os importados respondem por 11% deles.
Para o ministro Dias Toffoli, presidente do STF (Supremo
Tribunal Federal), é importante encontrar saídas para minorar a
participação da Justiça na resolução de conflitos ligados à saúde.
"Os magistrados não podem administrar o orçamento das empresas de saúde," afirmou ele durante o evento.
Toffoli, que também preside o CNJ, disse que o conselho tem ações para monitoramento e para a resolução de demandas na área.
Em uma delas, feita em parceria com os hospitais Albert
Einstein e Sírio-Libanês, um núcleo (eNAT-Jus) fornece pareceres
técnicos para dar apoio às decisões sobre questões de fornecimento de medicamentos, procedimentos e tratamentos médicos.
"O objetivo é dar ao juiz os subsídios para que ele possa decidir,
com base na melhor evidencia científica, se aquele pedido faz sentido,
se o paciente vai se beneficiar", diz Luiz Fernando Reis, diretor de
ensino e pesquisa do Sírio.
Para o pesquisador Fernando Aith, professor da Faculdade de Saúde
Pública da USP, há casos em que a judicialização prejudica o paciente.
"O juiz considera demais a prescrição médica na decisão. Muitas
vezes, por conflitos de interesse ou não, o médico pode estar com uma
conduta equivocada em relação ao melhor tratamento ao paciente e isso,
sem órgãos de filtragem, pode ser perigoso."
Porém, há muitas ações pedindo produtos ou serviços que deveriam
estar disponíveis à população. No Pará, por exemplo, a maior parte da
judicialização por medicamentos se refere a remédios que estão na lista
do SUS.
Esse tipo de demanda é diferente da observada frequentemente em São
Paulo, em que pacientes muitas vezes solicitam procedimentos ou
medicamentos não previstos no SUS ou pela ANS (Agência Nacional de Saúde
Suplementar.
No estado de São Paulo, 82% dos processos (116.518) se referem a
planos de saúde. "Isso indica que o sistema privado está muito mal
regulado ou que não entrega o que promete ou ainda que o usuário é mais
brigão, tem mais cidadania e vai buscar seus direitos", diz Fernando
Aith.
A pesquisa também mostra que apenas 2,3% das ações são coletivas, de
um total de 13% do total que tratam de temas coletivos, o que revela que
a judicialização da saúde se dá muito mais pela via individual do que
pela coletiva.
Em casos de segunda instância, há maior predomínio de ações coletivas
na região Norte, sobretudo no Pará (25,6%) e Roraima (185), e menor no
Sul e no Sudeste (no Rio Grande do Sul, de apenas 0,44% e em São Paulo,
de 2,8%).
O estudo também analisou o conteúdo das decisões de antecipação de
tutela (liminares). No SUS, pede-se mais medicamentos. Já na saúde
suplementar, são as dietas, insumos ou materiais, leitos e
procedimentos.