segunda-feira, 25 de março de 2019

STJ condena homem a indenizar ex-companheira por transmissão do vírus HIV

STJ condena homem a indenizar ex-companheira por transmissão do vírus HIV

24 de março de 2019, 9h20
É possível reconhecer a responsabilidade civil de pessoa que transmite o vírus HIV em relação conjugal quando presentes os pressupostos da conduta do agente: dolo ou culpa, dano e nexo de causalidade.
Com esse entendimento, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça manteve acórdão que condenou um homem a pagar R$ 120 mil de indenização por ter contaminado a ex-companheira com o vírus.
De acordo com o relator, ministro Luis Felipe Salomão, não há precedente específico no STJ para o caso. Ele apontou que a responsabilidade civil nas relações de família vem sendo objeto de debates jurídicos, cabendo ao aplicador do direito a tarefa de reconhecer a ocorrência de eventual ilícito e o correspondente dever de indenizar.

"Por óbvio que o transmissor sabedor de sua condição anterior e que procede conduta de forma voluntária e dirigida ao resultado – contágio – responderá civil e criminalmente pelo dolo direto de seu desígnio", afirmou o ministro, que frisou que quando o portador não tem consciência da condição muito dificilmente poderá ser responsabilizado.

Segundo Salomão, quando o cônjuge, ciente de sua possível contaminação, não faz o exame de HIV, não informa o parceiro sobre isso e não usa métodos de prevenção, ficam evidentes a negligência e a imprudência. "O parceiro que suspeita de sua condição soropositiva, por ter adotado comportamento sabidamente temerário (vida promíscua, utilização de drogas injetáveis, entre outras), deve assumir os riscos de sua conduta", disse.

Não há falar em responsabilização ou ela deverá ser mitigada, disse o ministro, “quando a vítima houver concorrido de alguma forma para sua contaminação, seja assumindo o risco, seja não se precavendo adequadamente”.

Histórico do caso
No caso, a mulher ajuizou ação contra o ex-companheiro, com quem manteve união estável durante 15 anos, por ter sido infectada pelo HIV nesse período. Ela pediu pensão mensal de R$ 1.200 e danos morais no valor de R$ 250 mil.
A sentença e o acórdão do Tribunal de Justiça mineiro reconheceram a responsabilidade civil porque foi comprovado no processo que ele tinha sabia da sua condição, além de ter assumido o risco com o comportamento. Em primeiro grau, a indenização foi fixada em R$ 50 mil, mas foi aumentada para R$ 120 mil pelo TJ, que também negou o pagamento da pensão mensal.
Em recurso, o homem alegou que o acórdão foi omisso e sustentou que não foram preenchidos os elementos da responsabilidade civil. A mulher, também em recurso ao STJ, pediu a reforma do acórdão para aumentar o valor da indenização e fixar a pensão mensal.

Negligência
Para o ministro, no caso analisado, ficou provado que o homem  foi o efetivo transmissor do vírus para a companheira, assumindo o risco com o seu comportamento. 
"Ainda que não tivesse como desígnio a efetiva transmissão do vírus HIV, [o homem] acabou assumindo o risco de fazê-lo, seja porque já era sabedor de sua soropositividade no momento das relações sexuais com a sua companheira – sem informá-la de sua condição e sem adotar as devidas precauções –, seja porque adotava comportamento extraconjugal de risco (vida promíscua), devendo ser responsabilizado por sua conduta", afirmou.
Ao confirmar a decisão do TJ-MG, o ministro disse ser evidente a violação ao direito da personalidade da autora, com "lesão de sua honra, intimidade e, sobretudo, de sua integridade moral e física, a ensejar reparação pelos danos morais sofridos"
Quanto à pretensão da pensão, a turma negou provimento ao seu recurso porque a análise desse pedido exigiria o reexame de provas sobre a capacidade de trabalho da recorrente, o que não é possível por causa da Súmula 7 do STJ. O processo está em segredo de Justiça. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

Revista Consultor Jurídico, 24 de março de 2019, 9h20

terça-feira, 19 de março de 2019

Em uma década, judicialização da saúde pública e privada cresce 130%

Em uma década, judicialização da saúde pública e privada cresce 130%


Cláudia Collucci
São Paulo 
 
O número de ações judiciais relativas à saúde no Brasil aumentou 130% entre 2008 e 2017, um crescimento muito mais rápido que o observado no volume total de processos (50%).
No período, o volume de ações em primeira instância pulou de 41.453 para 95.752, totalizando quase 500 mil processos. Em segunda instância, foi de 2.969 para 40.658, somando quase 270 mil.
São demandas contra o SUS e contra planos de saúde que requerem de novos remédios e procedimentos de alta complexidade a coisas básicas, como leitos hospitalares, consultas e medicamentos.

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Os dados são de um estudo nacional inédito sobre a judicialização da saúde realizado pelo Insper, sob encomenda do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), e divulgado nesta segunda (18) em um seminário no Hospital Sírio-Libanês.Além de mostrar o crescimento de processos, o trabalho revelou diferenças regionais da judicialização de segunda instância. Na região norte, os pedidos por leitos estão presentes em 75,2% das demandas (uma única ação pode envolver vários itens). Já no sudeste, esse pleito foi responsável por 36,7% das ações.

"O Brasil é diferente na judicialização da saúde. Há vários tipos, com perfis e efeitos distintos. Há necessidade de políticas apropriadas para cada um desses problemas", diz Paulo Furquim, professor do Insper e um dos coordenadores do estudo.

Presente no evento, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, disse que, no SUS, há judicialização "de acesso pontual a medicamentos que estão na rede nacional, e de uma quantidade enorme de pequenas cirurgias, que são frutos da desorganização do sistema, da falta de informatização e do subfinanciamento".

Porém, segundo ele, a judicialização que mais preocupa é a que busca a incorporação de novos insumos e tecnologias. O ministro afirma que uma das saídas encontradas será o compartilhamento de risco com a indústria.

Ou seja, o laboratório precisa comprovar a eficácia do remédio distribuído à população, sob risco de ter de devolver o recurso aos cofres públicos. Na Itália, por exemplo, 65% das decisões utilizam dessa estratégia.

Em relação às demandas judiciais contra o SUS, medicamentos aparecem em 73,8% dos casos. Os importados respondem por 11% deles.
Para o ministro Dias Toffoli, presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), é importante encontrar saídas para minorar a participação da Justiça na resolução de conflitos ligados à saúde.
"Os magistrados não podem administrar o orçamento das empresas de saúde," afirmou ele durante o evento.

Toffoli, que também preside o CNJ, disse que o conselho tem ações para monitoramento e para a resolução de demandas na área.
Em uma delas, feita em parceria com os hospitais Albert Einstein e Sírio-Libanês, um núcleo (eNAT-Jus) fornece pareceres técnicos para dar apoio às decisões sobre questões de fornecimento de medicamentos, procedimentos e tratamentos médicos.

"O objetivo é dar ao juiz os subsídios para que ele possa decidir, com base na melhor evidencia científica, se aquele pedido faz sentido, se o paciente vai se beneficiar", diz Luiz Fernando Reis, diretor de ensino e pesquisa do Sírio.
Para o pesquisador Fernando Aith, professor da Faculdade de Saúde Pública da USP, há casos em que a judicialização prejudica o paciente.
"O juiz considera demais a prescrição médica na decisão. Muitas vezes, por conflitos de interesse ou não, o médico pode estar com uma conduta equivocada em relação ao melhor tratamento ao paciente e isso, sem órgãos de filtragem, pode ser perigoso."
Porém, há muitas ações pedindo produtos ou serviços que deveriam estar disponíveis à população. No Pará, por exemplo, a maior parte da judicialização por medicamentos se refere a remédios que estão na lista do SUS.
Esse tipo de demanda é diferente da observada frequentemente em São Paulo, em que pacientes muitas vezes solicitam procedimentos ou medicamentos não previstos no SUS ou pela ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar.
No estado de São Paulo, 82% dos processos (116.518) se referem a planos de saúde. "Isso indica que o sistema privado está muito mal regulado ou que não entrega o que promete ou ainda que o usuário é mais brigão, tem mais cidadania e vai buscar seus direitos", diz Fernando Aith.
A pesquisa também mostra que apenas 2,3% das ações são coletivas, de um total de 13% do total que tratam de temas coletivos, o que revela que a judicialização da saúde se dá muito mais pela via individual do que pela coletiva.
Em casos de segunda instância, há maior predomínio de ações coletivas na região Norte, sobretudo no Pará (25,6%) e Roraima (185), e menor no Sul e no Sudeste (no Rio Grande do Sul, de apenas 0,44% e em São Paulo, de 2,8%).
O estudo também analisou o conteúdo das decisões de antecipação de tutela (liminares). No SUS, pede-se mais medicamentos. Já na saúde suplementar, são as dietas, insumos ou materiais, leitos e procedimentos.