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quarta-feira, 29 de junho de 2022
Compra em sites falsos dá direito a indenização segundo STJ
AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1925193 - RJ (2021/0194433-4)
DECISÃO
Trata-se de agravo interposto por B2W COMPANHIA DIGITAL, contra a decisão que inadmitiu o recurso especial. O apelo extremo fundamentado no art. 105, inciso III, alíneas "a" e "c", da Constituição Federal desafia o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, assim ementado:
"APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS. COMPRA E VENDA DE PRODUTO VIA INTERNET. APARELHO CELULAR IPHONE. FRAUDE PRATICADA POR TERCEIROS AO CRIAR SITE FALSO SIMILAR AO DA RÉ AMERICANAS.COM E EMITIR BOLETO BANCÁRIO DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA SEGUNDA RÉ. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. SOLIDARIEDADE. FRAUDE PRATICADA POR TERCEIRO QUE SE INSERE NO ÂMBITO DA ATIVIDADE EMPRESARIAL. TEORIA DO RISCO DO EMPREENDIMENTO. VERBETE SUMULAR 94 TJRJ. SÚMULA 479 DO STJ. FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. SEGURANÇA. SENTENÇA QUE SE REFORMA PARA JULGAR PROCEDENTES OS PEDIDOS. DANO MORAL CONFIGURADO. PERDA DO TEMPO ÚTIL. SITUAÇÃO QUE ULTRAPASSA OS LIMITES DO MERO ABORRECIMENTO. QUANTUM INDENIZATÓRIO, ARBITRADO EM R$ 4.000,00 (QUATRO MIL REAIS), QUE SE REVELA ADEQUADO E PROPORCIONAL À HIPÓTESE DOS AUTOS, ESTANDO DE ACORDO COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE.
PROVIMENT O DO RECURSO" (fl. 295, e-STJ).
No especial, a recorrente aponta além de dissídio jurisprudencial, violação do art. 14, § 3º, II, do Código de Defesa do Consumidor, defendendo a culpa de terceiro.
Assegura que a recorrida foi vítima de fraude ao realizar a compra em site falso que parecia percenter a recorrente.
Ressalta que nas compras realizadas pela internet os boletos bancários são gerados pelo Banco do Brasil e não pelo Banco Santander, como no caso dos autos.
Aponta ainda, dissídio jurisprudencial ao argumento de que ocorrendo fraudes praticadas por terceiros, os Tribunais tem afastado o dever de indenizar.
Postula ao final, a reforma do acórdão estadual para afastar a responsabilidade da recorrente, julgando improcedente o pedido autoral.
Com as contrarrazões e inadmitido o recurso na origem, sobreveio o presente agravo, no qual se busca o processamento do apelo nobre.
É o relatório.
DECIDO.
Ultrapassados os requisitos de admissibilidade do agravo, passa-se ao exame do recurso especial.
O acórdão impugnado pelo presente recurso especial foi publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).
A irresignação não merece prosperar.
O Tribunal estadual ao dirimir a controvérsia fundamentou o seguinte:
"(...) cuida -se de relação de consumo, razão pela qual o Código de Defesa do Consumidor é aplicável ao caso concreto, pois a autor a se tipifica no conceito de destinatário final contido no art. 2º da legislação consumerista. Por outro lado, inegável a qualidade de prestadores de serviço dos réus . Como se sabe, da aplicação dos ditames da Lei nº 8.078/90, decorre a responsabilidade objetiva do fornecedor de serviços, em relação aos danos causados aos c onsumidores por defeitos relativos à prestação daqueles tal como está consignado no artigo 14, caput e § 1º do CDC, mormente, ante ao descumprimento do dever de informação e quebra da legítima expectativa criada no consumidor. A propósito:
(...)
Inegável a aplicação da Teoria do Risco do Empreendimento, segundo a qual todo aquele que se disponha a exercer alguma atividade no campo do fornecimento de bens e serviços tem o dever de responder pelos fatos e vícios resultantes do empreendimento independentemente de culpa. Destaca-se que, consoante o dispositivo acima lançado, o serviço é considerado defeituoso quando não oferece ao consumidor a segurança ordinária que dele se espera. Nesse sentido, colaciona-se Verbete nº 94 da Súmula de Jurisprudência desta Corte, verbis:
"Cuidando -se de fortuito interno, o fato de terceiro não exclui o dever do fornecedor de indenizar".
(...)
Com efeito, não se pode exigir do consumidor ordinário que identifique fraudes eletrônicas. E, não obstante, o valor pago tenha sido de aproximadamente 1/3 do preço real do produto, tem-se que a primeira ré trata-se de empresa conhecida por fazer promoções periódicas e tem fama notável no meio empresarial, o que justifica que a autora tenha confiado na marca e, assim, não diligenciou mais cuidadosamente, o que se faz quando se trata de site desconhecido do público. Por certo que a marca consagrada no mercado gera uma confiança maior no consumidor. De modo que se revela crível que a autora não tenha desconfiado da promoção e tenha prosseguido com a compra, sem verificar outros detalhes, visto que as operações via internet tem por característica também a celeridade.
(...)
Nessa esteira, reputo configurada a obrigação solidária de entregar o produto descrito na inicial ou de indenizar a autora, pelo montante desembolsado, bem como de compensar o dano moral" (fl. 304-312, e-STJ - grifou-se).
Dessa forma, rever o entendimento do acórdão impugnado a fim de afastar o dano sofrido pela parte recorrida, demandaria o reexame do contexto fático-probatório, procedimento inadmissível no âmbito de recurso especial, nos termos da Súmula nº 7/STJ: "A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial". Nesse sentido:
"AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL ? AÇÃO CONDENATÓRIA - DECISÃO MONOCRÁTICA DA PRESIDÊNCIA DESTA CORTE QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO. INSURGÊNCIA RECURSAL DA PARTE DEMANDADA.
1. O Tribunal de origem, após apreciar o acervo fático-probatório dos autos, constatou a falha na prestação dos serviços por parte da instituição financeira e reconheceu o dever de indenizar a parte recorrida a título de danos morais. Derruir tal conclusão demandaria necessariamente do revolvimento de fatos e provas e do contrato de prestação de serviços existente entre as partes, o que é vedado em sede de recurso especial, ante a incidência das Súmulas 5 e 7 do STJ.
2. A incidência das Súmulas 5 e 7 do STJ impede o conhecimento do recurso lastreado na alínea ?c? do inciso III do art. 105 da Constituição Federal, ante a inexistência de similitude fática.
Precedentes.
3. Agravo interno desprovido" (AgInt no AREsp 1.738.574/RJ, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 31/05/2021, DJe 04/06/2021).
"AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. ILEGITIMIDADE PASSIVA.
CULPA EXCLUSIVA DE TERCEIRO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211 DO STJ. NULIDADE DA ?TAXA DE FINANCIADOR? (OU INTERVENIÊNCIA BANCÁRIA). SÚMULA 7 DO STJ. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.
1. A matéria prevista no art. 14, § 3º, I e II, do Código de Defesa do Consumidor, não foi objeto de debate no acórdão recorrido, nem nos embargos de declaração opostos. A falta do necessário prequestionamento inviabiliza o exame da alegada contrariedade ao dispositivo citado por este Tribunal, em sede de especial.
Incidência na espécie da Súmula 211/STJ.
2. Além disso, a convicção a que chegou o acórdão acerca da nulidade da ?Taxa de Financiador? (ou Interveniência Bancária) e da responsabilidade da recorrente quanto à repetição do indébito, decorreu da análise do conjunto fático-probatório, e o acolhimento da pretensão recursal demandaria o reexame do mencionado suporte, obstando a admissibilidade do especial à luz do enunciado 7 da Súmula desta Corte.
3. Agravo interno não provido" (AgInt no REsp 1.858.841/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 24/05/2021, DJe 27/05/2021).
"AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE REPARAÇÃO POR DANOS MATERIAIS.
1. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO ART. 1.022 DO CPC/2015. QUESTÕES DEVIDAMENTE ANALISADAS PELO TRIBUNAL DE ORIGEM.
2. ALEGAÇÃO DE RESCISÃO UNILATERAL DO CONTRATO PELO RECORRIDO.
IMPOSSIBILIDADE DE CONHECIMENTO DO ESPECIAL NESSE PONTO. INCIDÊNCIA DOS ÓBICES PROCESSUAIS DAS SÚMULAS 5 E 7 DO STJ. 3. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.
1. Não se verifica a apontada violação ao art. 1.022 do Código de Processo Civil de 2015, pois todas as questões suficientes ao deslinde da controvérsia foram devidamente analisadas pelo Tribunal de origem.
2. Para reformar o que ficou decidido pelas instâncias ordinárias acerca da responsabilidade do banco recorrido, seria necessário proceder à interpretação das cláusulas contratuais, bem como reexaminar o conjunto fático-probatório dos autos, procedimentos vedados pelas Súmulas 5 e 7 do STJ.
3. Agravo interno desprovido" (AgInt no AREsp 1.511.250/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 20/04/2020, DJe 24/04/2020).
Não bastasse isso, observa-se que a decisão do Tribunal local encontra-se em harmonia com a jurisprudência desta Corte Superior.
Esse ademais, o enunciado da Súmula 479/STJ, "as instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias" A propósito:
"RECURSO ESPECIAL. CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS.
FRAUDE. COMPRA ON-LINE. PRODUTO NUNCA ENTREGUE. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. SERVIÇOS BANCÁRIOS.
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA ENTRE PARTICULARES. COMPRA E VENDA ON-LINE.
PARTICIPAÇÃO. AUSÊNCIA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. NÃO CONFIGURAÇÃO.
1. Ação ajuizada em 30/06/2015. Recurso especial interposto em 16/03/2018 e atribuído em 22/10/2018.
2. O propósito recursal consiste em determinar se o banco recorrido seria objetivamente responsável pelos danos suportados pelo recorrente, originados após ter sido vítima de suposto estelionato, perpetrado na internet, em que o recorrente adquiriu um bem que nunca recebeu.
3. Nos termos da Súmula 479/STJ, ?as instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias?.
(...)
6. Recurso especial não provido" (REsp 1.786.157/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 03/09/2019, DJe 05/09/2019).
"AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS.
INSCRIÇÃO INDEVIDA EM CADASTRO RESTRITIVO DE CRÉDITO. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. HARMONIA ENTRE O ACÓRDÃO RECORRIDO E A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. REEXAME DE FATOS E PROVAS. INADMISSIBILIDADE.
1. ?As instituições bancárias respondem objetivamente pelos danos causados por fraudes ou delitos praticados por terceiros - como, por exemplo, abertura de conta-corrente ou recebimento de empréstimos mediante fraude ou utilização de documentos falsos -, porquanto tal responsabilidade decorre do risco do empreendimento, caracterizando-se como fortuito interno? (REsp 1.197.929/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, DJe de 12.9.2011).
2. O Tribunal de origem julgou nos moldes da jurisprudência desta Corte.
Incidente, portanto, a Súmula 83/STJ.
3. Não cabe, em recurso especial, reexaminar matéria de fato (Súmula 7/STJ).
4. Agravo interno a que se nega provimento" (AgInt no AREsp 1.158.721/SP, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 08/05/2018, DJe 15/05/2018).
"AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONTRATOS BANCÁRIOS.
RESPONSABILIDADE CIVIL. INSTITUIÇÕES BANCÁRIAS. DANOS CAUSADOS POR FRAUDES OU DELITOS PRATICADOS POR TERCEIROS. RISCO DO EMPREENDIMENTO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. ENTENDIMENTO EXARADO NO REGIME DE JULGAMENTO DE RECURSOS REPETITIVOS. TEMA N. 466. ACÓRDÃO RECORRIDO CONFORME A ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL. RAZÕES RECURSAIS INSUFICIENTES. AGRAVO DESPROVIDO.
1. ?As instituições bancárias respondem objetivamente pelos danos causados por fraudes ou delitos praticados por terceiros - como, por exemplo, abertura de conta-corrente ou recebimento de empréstimos mediante fraude ou utilização de documentos falsos -, porquanto tal responsabilidade decorre do risco do empreendimento, caracterizando-se como fortuito interno?.
2. Razões recursais insuficientes para a revisão do julgado.
3. Agravo interno desprovido" (AgInt no AREsp 1.061.237/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 27/06/2017, DJe 02/08/2017).
Ante o exposto, conheço do agravo para negar provimento ao recurso especial.
Na origem, os honorários sucumbenciais foram fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, os quais devem ser majorados para 15% (quinze por cento) em favor do advogado da parte recorrida, nos termos do art. 85, § 11, do Código de Processo Civil de 2015, observado o benefício da gratuidade da justiça, se for o caso.
Publique-se.
Intimem-se.
Brasília, 26 de novembro de 2021.
Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA
Relator
(AREsp n. 1.925.193, Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe de 06/12/2021.)
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