terça-feira, 9 de maio de 2023

As teorias que regem a responsabilidade civil do Estado

Diante do questionamento frequente sobre a responsabilização, é necessário definir o conceito de responsabilidade antes de atribuí-la a uma pessoa natural, ou jurídica de Direito Público ou de Direito Privado. Nesse sentido, o termo responsabilidade tem origem no latim, respondere, sendo característica daquele que tem a responsabilidade por atos próprios, devendo responder por suas condutas resultante de negócio jurídico ou em decorrência de ato ilícito. A responsabilidade no campo jurídico, pode ser entendida como: "uma obrigação derivada — um dever jurídico sucessivo — de assumir as consequências jurídicas de um fato, consequências essas que podem variar (reparação dos danos e/ou punição pessoal do agente lesionante) de acordo com os interesses lesados" (GAGLIANO, FILHO, 2019, p. 46). Em regra, os elementos caracterizadores da responsabilidade civil abrangem a conduta humana, sendo positiva ou negativa, proveniente de uma ação ou omissão; o nexo de causalidade e o dano, ao passo que o elemento da culpa é um fator acidental, não sendo indispensável na responsabilização civil, segundo a acepção de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho: "Embora mencionada no referido dispositivo de lei por meio das expressões 'ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência', a culpa (em sentido lato, abrangente do dolo) não é, em nosso entendimento, pressuposto geral da responsabilidade civil, sobretudo no novo Código, considerando a existência de outra espécie de responsabilidade, que prescinde desse elemento subjetivo para a sua configuração (a responsabilidade objetiva)" (GAGLIANO, FILHO, 2019, p. 70). A culpa em sentido amplo (latu sensu) é adotada na teoria da responsabilidade subjetiva, na qual exige o elemento culpa, estando ligada ao aspecto subjetivo e interno do indivíduo. O dolo e a culpa são elementos distintos, o dolo encontra-se na ilicitude, no intuito contrariar, por meio de suas ações, a norma jurídica, ao passo que na culpa há uma conduta lícita, na qual incide o resultado, quando se tornam ilícitas dentro de um aspecto normativo-social. O nexo de causalidade ou nexo causal, é um dos elementos da responsabilidade civil. A abstração dessa terminologia pode ser explicada como um elo entre a conduta e o resultado, que deve gerar prejuízo e dano. Dessa forma, a conduta humana, seja positiva ou negativa, deve estar interligada ao dano ou prejuízo causado, de forma que a exclusão de um elemento torna inexistente o nexo de causalidade, e como consequência, elimina o dever de reparar ou indenizar. Dessa forma, havendo a interrupção do nexo causal, ocorre a interrupção do elo da conduta e do resultado. O elemento dano é necessário, tendo em vista que de acordo com o artigo 186, do Código Civil, o mesmo é essencial, para que haja o dever de indenizar. No âmbito jurídico a ideia de dano está ligada à diminuição do patrimônio corpóreo, considerado um dano emergente ou positivo, na qual em uma situação anterior à conduta, a situação da vítima era distinta da situação posterior à conduta danosa. Entretanto, o dano vai além do patrimônio, de modo que há o dano moral e estético. O dever de reparar o dano, instituído na Constituição Federal de 1988 e no Código Civil, não detém apenas caráter punitivo, tendo função reparatória e educativa. O artigo 944 do Código Civil estipula que "a indenização mede-se pela extensão do dano", e em seu parágrafo único diz que "se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização". Sendo assim, esse dispositivo decide pela necessidade de comprovar e analisar a extensão da culpa para atribuir o valor à reparação. Os dispositivos legais sobre as causas excludentes da responsabilidade civil buscam excepcionar o dever de indenizar e reparar o dano. Para que haja a configuração de uma excludente, o nexo de causalidade deve sofrer uma intercorrência, de modo que essa variação causal importe em uma excludente de responsabilidade. À vista disso, o Código Civil explicita as hipóteses: "Art. 188. Não constituem atos ilícitos: I - os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido; II - a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente. Parágrafo único. No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo." Dessa forma, a saber: a) estado de necessidade; b) legítima defesa; c) exercício regular de direito e estrito cumprimento do dever legal; d) caso fortuito e força maior; e) culpa exclusiva da vítima; f) fato de terceiro, são elementos que eximem o agente de reparar o dano. Digno de nota, que na situação de concausas, tais excludentes podem reduzir o valor da indenização, mas não necessariamente eliminar totalmente o dever de reparação de danos. Tudo dependerá da análise do caso em concreto. 2. Das teorias que definem a responsabilidade civil do Estado As Teorias da Responsabilidade Civil do Estado buscam aprofundar-se no estudo da responsabilidade, ampliando as possibilidades de responsabilidade do Estado, a fim de compreender e explicar como os atos administrativos geram consequências. As mesmas foram se desenvolvendo e evoluindo com a passagem do tempo. A Teoria dos Atos de Gestão e Atos de Império (já superada), estão incluídas na classificação dos atos administrativos, sendo didaticamente interessante para compreender a responsabilidade civil do Estado por meio de seus atos. Nos atos de gestão, a administração busca se igualar ao particular, não se valendo da sua supremacia. Dessa forma, os atos da administração equiparam-se às características do direito privado, como por exemplo, o ato de alienar bem público, adquirir um bem, alugar um imóvel, etc. Nos atos de império, a administração pública busca valer-se da sua supremacia, sendo imposto de maneira coercitiva ao particular, cabendo a este último o dever de cumprir. No entanto, ao discordar do que foi imposto, pode o particular utilizar os meios legais para desfazer os atos praticados, principalmente sob a alegação de ilegalidade, desvio de finalidade, abuso de poder, falta de razoabilidade ou desproporcionalidade. Da mesma forma, caso a administração pública gere danos ao particular, terá de responder pelo mesmo. É possível aplicar a responsabilidade subjetiva aos agentes que atuam em nome do Estado, assim como a CF/88 determina no artigo 37, parágrafo 6º, na qual dispõe: "Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: … § 6º. As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa". Dessa forma, é possível concluir que ao Estado cabe a responsabilidade objetiva (comprovação de dano e nexo causal), aplicando-se a responsabilidade subjetiva aos seus agentes (comprovação de dolo ou culpa). A administração pública tem o direito de regresso contra o agente que efetivamente causou o dano. A teoria da culpa administrativa, caracteriza-se pela transição entre a responsabilidade subjetiva e a responsabilidade objetiva. Como fundamento desta teoria, afirma José Maria Pinheiro Madeira que: "O lesado não mais precisaria identificar o agente estatal, sendo-lhe necessário apenas comprovar o mau funcionamento do serviço público, daí a denominação pela doutrina de culpa publicista ou culpa anônima, e ainda culpa do serviço, que se desmembrava em três versões: o mau funcionamento, o não funcionamento ou a demora do serviço" (MADEIRA, 2022, p, 956). Nesta teoria, o agente que integra a administração tem sobre si a redução da responsabilidade civil ao causar dano, em razão da prática do ato ser considerada como um ato praticado pelo Estado. Dessa forma, "propugna-se pela teoria da culpa anônima, exigindo-se para a responsabilização do Estado tão somente a prova de que a lesão foi decorrente da atividade pública, sem necessidade de saber, de forma específica, qual foi o funcionário que a produziu" (GAGLIANO; FILHO, 2019, p. 271) A culpa anônima é caracterizada pela dificuldade em identificar o agente que praticou a conduta que gerou um dano ao terceiro. Em razão disso, cabe ao Estado a responsabilidade direta pela reparação do dano causado, configurando-se na teoria da culpa anônima do serviço público. Na teoria da responsabilidade objetiva se dispensa o elemento culpa na reparação, ao passo que na responsabilidade subjetiva o elemento culpa é um fator central. Tratando-se da responsabilidade objetiva do Estado, não se discute sobre o grau da culpa do preposto ou do agente público, assim como determina o artigo 37, parágrafo sexto, da Constituição. Neste mesmo sentido, o artigo 927, parágrafo único, do Código Civil, estabelece que aquele que por meio do ato ilícito causar dano, fica obrigado a reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos específicos que a lei determinar, ou quando a atividade exercida pelo autor, implicar risco para os direitos de outrem. Assim, o elemento culpa não é relevante para a caracterização da responsabilidade objetiva, conforme corrobora Gonçalves: "pode ou não existir, mas será sempre irrelevante para a configuração do dever de indenizar. Indispensável será a relação de causalidade entre a ação e o dano, uma vez que, mesmo no caso de responsabilidade objetiva, não se pode acusar quem não tenha dado causa ao evento. Nessa classificação, os casos de culpa presumida são considerados hipóteses de responsabilidade subjetiva, pois se fundam ainda na culpa, mesmo que presumida" (GONÇALVES, 2022, p. 49). A ausência do elemento culpa encontra respaldo na teoria do risco administrativo, em que a consequência lesiva gera o dever de reparação. Para essa teoria, a atividade do Estado e a responsabilidade extracontratual por atos ilícitos e lícitos fundamenta-se no risco administrativo, na qual o mesmo deve suportar, ao passo que na responsabilidade subjetiva há o ônus de provar o elemento culpa. Geralmente, na doutrina de Direito Administrativo a Teoria do Risco Administrativo é utilizada como fundamento da aplicação da Teoria da Responsabilidade Objetiva em relação ao Estado. A Teoria do Risco Integral por vezes é confundida com a Teoria do Risco Administrativo. Entretanto, essas teorias são distintas entre si, permitindo amplo debate doutrinário acerca da responsabilização plena e integral do Estado. A Teoria do Risco Integral nem sequer admitiria excludentes: "Se fosse admitida a teoria do risco integral em relação à Administração Pública, ficaria o Estado obrigado a indenizar sempre e em qualquer caso o dano suportado pelo particular, ainda que não decorrente de sua atividade, posto que estaria impedido de invocar as causas de exclusão do nexo causal... Bastaria, para caracterizar a obrigação de indenizar, o simples envolvimento do Estado no evento, não se admitindo qualquer prova visando elidir essa responsabilidade" (FILHO, 2021, p. 322). Enquanto no Risco Administrativo as excludentes podem eliminar (ou pelo menos reduzir) o dever de indenizar, no Risco Integral nem mesmo a culpa exclusiva da vítima afasta o dever do Estado de reparar o dano. Assim, as duas teorias possuem conteúdos jurídicos distintos. A aplicação do risco integral é admitida em situações excepcionais, relacionada a episódios de danos de potencial massivo, como, por exemplo, desastre nuclear, vazamento de material radioativo e semelhantes.

segunda-feira, 8 de maio de 2023

Responsabilidade dos bancos pelo 'golpe do delivery' provoca divisão no TJ-SP

TJ-SP tem divergido quanto à responsabilidade dos bancos pelo chamado 'golpe do delivery' Por exemplo: em uma compra de R$ 20, a máquina é fraudada para passar o valor de R$ 2 mil, e o cliente só percebe o golpe depois que já efetuou o pagamento. Há inúmeras ações indenizatórias ajuizadas pelas vítimas não somente contra os aplicativos, mas também contra os bancos por não bloquearem a transação ou não devolverem o dinheiro. No TJ-SP, a responsabilidade dos bancos ainda não está pacificada. Há casos em que as instituições financeiras são condenadas pela falha de segurança que permitiu a ocorrência do golpe. Em outros, os bancos são absolvidos com o argumento de que a responsabilidade pela fraude é apenas do aplicativo. Relação entre cliente e aplicativo A 18ª Câmara de Direito Privado isentou um banco de indenizar uma vítima do "golpe do delivery", que alegou ter sofrido prejuízo de aproximadamente R$ 19 mil, por entender que a instituição não tinha participação direta na relação mantida entre o consumidor e o aplicativo. Com isso, apenas o IFood foi condenado. "Os fatos narrados se deram por intermédio da plataforma desenvolvida pelo IFood (que é o responsável pela gestão, inclusive quanto à forma de pagamento dos pedidos), em ambiente externo e fora do âmbito de atuação/vigilância da casa bancária, sem qualquer participação desta na relação jurídica ora questionada", argumentou o relator, desembargador Henrique Rodrigues Clavisio. O magistrado afirmou que a responsabilidade do fornecedor de serviços é objetiva, nos termos do artigo 14, caput, do Código de Defesa do Consumidor, mas, no caso dos autos, não havia como imputar responsabilidade ao banco por tratar-se de fortuito externo, o que rompe o nexo de causalidade. "Ora, inexistindo demonstração de qualquer conduta negligente do banco, considerando, sobretudo, que as transações foram realizadas através de cartão com 'chip' e senha pessoal/intransferível, não há como responsabilizá-lo pelo evento ocorrido, de modo que não responde pelos prejuízos causados aos apelantes por culpa exclusiva de terceiro, nos termos do §3º, inciso II, do artigo 14 do CDC." O relator destacou trecho da sentença de primeiro grau, que já havia afastado a responsabilidade do banco: "O banco não é autorizado a obstruir ou dificultar transações realizadas por seu cliente dentro de seu limite de crédito, presencialmente, mediante uso de cartão com 'chip' e senha." No TJ-SP, há casos de bancos absolvidos com o argumento de que a responsabilidade pela fraude seria apenas do aplicativo Na mesma linha, a 36ª Câmara de Direito Privado reformou parte de uma sentença de primeira instância para afastar a responsabilidade de um banco, confirmando apenas a condenação do aplicativo por um golpe de R$ 9 mil sofrido por um cliente. O juízo de origem havia entendido pela responsabilidade solidária entre os réus, o que foi afastado pelo relator, desembargador Pedro Baccarat. "Em relação à instituição bancária, forçosa a reforma da sentença para afastar sua responsabilidade, dado que não teve participação direta na relação jurídica intermediada pela corré Rappi. Aliás, o próprio autor reconhece ter utilizado o cartão, digitado a senha e efetuado voluntariamente a compra, não se olvidando da adulteração perpetrada pelo fraudador." Em uma ação movida apenas contra o banco e a administradora do cartão de crédito, a 17ª Câmara de Direito Privado decidiu, por maioria de votos, em julgamento estendido, isentar a instituição de restituir cerca de R$ 11 mil a uma cliente. O entendimento também foi de que ocorreu fortuito externo, o que causa a extinção do nexo causal. "Não se verifica qualquer falha da instituição financeira nas operações, restando ausente o nexo de causalidade entre o comportamento que causou dano à autora e a atividade desenvolvida pelo banco. Como bem destacou o magistrado sentenciante: 'A fraude ocorreu por desídia da autora, que não suspeitou das transações, digitou várias vezes sua senha sem desconfiar, nem se atentou ao visor da máquina, após a oposição de sua senha, para verificar se a transação teria se concretizado'", destacou o relator, desembargador Afonso Bráz. Na 23ª Câmara de Direito Privado da corte paulista, porém, o entendimento é em sentido contrário. A turma julgadora acolheu recurso de um cliente para condenar um banco e um aplicativo, solidariamente, a restituir R$ 4 mil, a título de danos materiais, além do pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 5 mil. Considerando a hipossuficiência técnica e econômica do autor, o relator, desembargador Virgílio de Oliveira Junior, disse que cabia ao banco o ônus da prova de que agiu com diligência e que as operações impugnadas não decorreram de falha na prestação de seu serviço, "ônus do qual não se desincumbiu". "Em se tratando de relação de consumo, todos os elementos da cadeia de fornecimento de bens ou serviços respondem pelos danos causados aos consumidores. Nos termos do parágrafo único do artigo 7º do CDC, todos aqueles que participaram da cadeia de fornecimento de serviços respondem, solidariamente, pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo." Para o magistrado, o argumento do banco de "inexistência de conduta lesiva de sua parte" é insuficiente para configurar a excludente de responsabilidade, que, nesse caso, é objetiva, nos termos do artigo 14 do CDC. Ele também utilizou a Súmula 479 do Superior Tribunal de Justiça para embasar a condenação do banco. A súmula tem a seguinte redação: "As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias". Em outros casos, os bancos são condenadas pelo TJ-SP por falha de segurança "Os golpes aplicados contra o autor se inserem no âmbito do fortuito interno, ínsito à atividade desenvolvida pelos apelados (risco da atividade), razão pela qual deve permanecer a responsabilidade do fornecedor, pois não houve ruptura do nexo causal. Dessa forma, clara a falha na prestação dos serviços dos requeridos que culminou na concretização do golpe", concluiu o relator. A 16ª Câmara de Direito Privado, sob relatoria do desembargador Jovino de Sylos, também falou em fortuito interno ao confirmar a condenação de um banco e de um aplicativo a devolver R$ 8 mil a um cliente vítima do "golpe do delivery", além do pagamento de reparação, a título de danos morais, no mesmo valor. "É de se observar o dever de os requeridos zelarem pela segurança das transações realizadas mediante os meios por eles disponibilizados a seus clientes, especialmente porque a relação estabelecida entre as partes caracteriza-se pela natureza consumerista, razão pela qual têm aplicação os princípios da vulnerabilidade e da insuficiência técnica do consumidor autor que levam à inversão do ônus da prova." Sylos afirmou que o artigo 14, §1º, do CDC estabelece que o serviço é defeituoso quando não fornece ao consumidor a segurança que dele se espera: "O banco e o IFood exercem atividade de risco, gerando a presunção da culpa por danos causados a terceiros, tendo em vista a responsabilidade de criar mecanismos de prevenção de condutas criminosas". Já a 15ª Câmara de Direito Privado apontou a diferença entre o perfil de consumo da cliente e a operação impugnada para embasar a condenação de um banco. Conforme o relator, desembargador Mendes Pereira, as faturas mensais do cartão de crédito da autora não ultrapassam R$ 500, enquanto, em uma única noite, houve uma transação de R$ 2,5 mil, que não foi identificada e bloqueada pela instituição financeira. "O demandado não produziu nenhuma prova no sentido de que a transação, realizada num único dia em valor superior à média de consumo da autora, estivesse dentro do padrão de movimentação de sua cliente para aquele cartão (artigo 373, inciso II, do CPC), sendo manifesta a falha na prestação de serviço, a qual não deixa de ocorrer mesmo quando a operação é feita com uso de dados sigilosos do cliente." Por se tratar de relação de consumo, Mendes Pereira destacou que todos os participantes da cadeia de fornecimento respondem pelos danos causados. "Essa solução é fundada, ao fim e ao cabo, num pressuposto de equidade: quem aufere vantagem com certa atividade deve responder pelo prejuízo que essa atividade venha a causar: onde está a vantagem está o encargo." O magistrado ainda citou a teoria do risco da atividade e disse que os descontos indevidos na conta da cliente configuraram falha no serviço bancário e caracterizaram responsabilidade objetiva prevista no CDC: "Houve defeito na prestação de serviço, pela falta da segurança esperada nas transações bancárias, causador de angústias, sentimento de impotência e descrédito". Além de devolver R$ 2,5 mil, o banco foi condenado a pagar reparação por danos morais de R$ 5 mil. Processo 1006639-45.2022.8.26.0002 Processo 1010454-78.2021.8.26.0004 Processo 1059906-60.2021.8.26.0100 Processo 1003872-27.2022.8.26.0554 Processo 1005838-48.2022.8.26.0223 Processo 1004228-21.2022.8.26.0037

quinta-feira, 4 de maio de 2023

Juiz reconhece direito de estudante cursar Medicina sem concluir ensino médio

SENTENÇA RAFAELA LUIZA KOEHLER ajuíza a presente ação de obrigação de fazer com pedido de tutela de urgência em desfavor da UNIRV - UNIVERSIDADE DE RIO VERDE E SOLUÇÃO CONSULTORIA E SISTEMAS EDUCACIONAIS EIRELI, todos devidamente qualificados. Narra a exordial que a Requerente prestou Vestibular junto à UNIRV, tendo sido aprovada para o curso de Medicina. No entanto, aduz que a Requerida nega a realização da matrícula, haja vista que a Requerente não possui o certificado de conclusão do ensino médio. Sustenta que apesar de não ter concluído o ensino médio, poderá cursar concomitantemente com o curso Superior, sem qualquer prejuízo. Assim, requer a concessão de tutela de urgência para permitir que seja efetuada a matrícula da Requerente no curso de Medicina, junto a primeira Requerida, independente da apresentação de certificado de conclusão do ensino médio. Requer, ainda, seja deferida a realização de matrícula no supletivo pela segunda Requerida. Junta documentos. Requer a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita. Junta documentos. Em decisão proferida na movimentação nº 06, o pedido de tutela de urgência foi indeferido. Inconformada, a Requerente interpôs mandado de segurança em face de ato dito coator praticado pelo juiz do Juizado Especial da Fazenda Pública de Rio Verde-GO, no qual foi deferida a liminar pleiteada, para autorizar a requerente a efetivar a sua matrícula no Curso de Medicina em que foi aprovada. Citada, a Requerida apresenta contestação (movimentação nº 22), pugnando pela improcedência do pedido inaugural. Apresenta documentos. Intimados, sobre o interesse na produção de provas, nada requereram. Com o fim da instrução processual, ambas as partes apresentaram alegações finais. Suscitado, o Ministério Público manifesta pela procedência parcial, a fim de determinar que a requerida UniRV providencie a matrícula da requerente no Curso de medicina da UniRV, Vieram-me os autos conclusos. É O RELATÓRIO. DECIDO. Consta na peça inaugural que a Requerente prestou vestibular na UNIRV – Universidade de Rio Verde, sendo aprovada para o curso de Medicina. Contudo a Instituição de Ensino se negou a efetuar a matrícula da autora, sob argumento de que não fora apresentado documento hábil a comprovar a conclusão do Ensino Médio (2º Grau). Importante ressaltar que, conforme decisão proferida no mandado de segurança em apenso, foi concedida a liminar, para determinar que a instituição de ensino ré procedesse a matrícula da Requerente no curso para o qual ele foi aprovada, independentemente da apresentação, naquele momento, do certificado de conclusão do ensino médio. Assim, o decurso do tempo, a regularidade acadêmica da aluna perante a instituição universitária, bem como a satisfatividade da liminar deferida, convergem à sensata aplicação da teoria do fato consumado ao caso em apreço, com o fito de preservar a segurança das relações jurídicas e da estabilidade das relações sociais. Nesse sentido, eis o precedente oriundo do Superior Tribunal de Justiça, in verbis: “(...) 2. Por força de liminar concedida em mandado de segurança, o impetrante efetivou sua matrícula em curso superior antes de ser certificado no ensino médio. Na hipótese, ainda que,à época da matrícula, não tenham sido comprovados os requisitos necessários ao ingresso na Universidade, a subsequente conclusão do segundo grau impõe a aplicação da teoria do fato consumado, que deve ser considerada quando a irreversibilidade da situação decorre da demora no julgamento da ação.' (REsp nº 611797/DF, Rel. Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI,DJ de 27/09/2004) 3. 'As situações consolidadas pelo decurso de tempo devem ser respeitadas, sob pena de causar à parte desnecessário prejuízo e afronta ao disposto no art.462 do CPC. Teoria do fato consumado. Discussão acerca da matrícula em curso superior na hipótese de ausência de conclusão do 2º grau à época, cujo direito de matrícula foi assegurado por força de liminar. Situação consolidada. Segundo grau concluído.'(REsp nº365771/DF, Rel. Min. LUIZ FUX, DJ de 31/05/2004) 4. Vastidão de precedentes das 1ª e 2ªTurmas e da 1ª Seção desta Corte Superior. 5. Recurso provido.” (STJ, Primeira Turma, REsp668142/DF, Rel. Min. Ministro José Delgado, publ. no DJ 13/12/2004, pág. 260). É nesse mesmo sentido, o entendimento do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, a saber: CURSO SUPERIOR SEM A CONCLUSÃO DO ENSINO MÉDIO. LIMINAR DEFERIDA. TEORIA DO FATO CONSUMADO. PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE. 1. A aprovação em exame vestibular de estudante prestes a concluir o ensino médio, aliado ao direito legal de acesso aos níveis mais elevados do ensino, evidenciam a admissibilidade da realização de matrícula em universidade, máxime quando condicionada à conclusão concomitante do período letivo Processo: 5363937-05.2022.8.09.0137 Usuário: KAIRO SOUZA RODRIGUES - Data: 25/04/2023 11:34:53 RIO VERDE - JUIZADO DAS FAZENDAS PÚBLICAS PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Processo de Conhecimento -> Procedimento de Conhecimento -> Procedimento do Juizado Especial Cível Valor: R$ 1.000,00 Tribunal de Justiça do Estado de Goiás Documento Assinado e Publicado Digitalmente em 14/04/2023 17:42:08 Assinado por MARCIO MORRONE XAVIER Localizar pelo código: 109787635432563873203174132, no endereço: https://projudi.tjgo.jus.br/p faltante. 2. Não se justifica a alteração do status quo de candidato que tenha conseguido, por força de decisão judicial, fazer matrícula em curso superior, mesmo sem ter concluído o ensino médio ou equivalente, mas comprove tê-lo concluído posteriormente, devendo ser aplicada à hipótese a nominada Teoria do Fato Consumado. 3. A responsabilidade pelos ônus sucumbenciais deve ser fixada com base no princípio da causalidade, segundo o qual a parte que deu causa à instauração do processo deve suportaras despesas dele decorrentes. APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E PROVIDA. (TJGO, Apelação nº 5005670- 89.2019.8.09.0082, Rel. Carlos Roberto Favaro, julgado em 31/03/2020,DJ de 31/03/2020).DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO. MANDADO DE SEGURANÇA. PORTADOR DE DIPLOMA DE CURSO SUPERIOR. MATRÍCULA. APROVEITAMENTO DE MATÉRIAS. QUEBRA DE PRÉ-REQUISITO. LIMINAR DEFERIDA. SATISFATIVA. APLICAÇÃO DA TEORIA DO FATO CONSUMADO. I- Devem ser respeitadas as situações consolidadas pelo decurso de tempo, sob pena de acarretar desnecessário prejuízo à parte. No caso dos autos, não se afigura razoável que o impetrante venha a sofrer com posterior desconstituição do provimento judicial que lhe concedeu a segurança pleiteada, uma vez que, sob o manto dessa decisão, obteve o direito de matricular-se na matéria almejada. REEXAME NECESSÁRIO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJGO, Reexame necessário 5070472-25.2019.8.09.0138, Rel. Maria das Graças Carneiro Requi, julgado em 30/03/2020, DJ de 30/03/2020). Dessa forma, com fundamento no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado na exordial aplicando ao caso concreto a Teoria do Fato Consumado, confirmando a liminar concedida em sede de recurso. Sem custas e sem honorários nos termos do artigo 55, da Lei nº 9.099/95. A presente sentença servirá como carta ou mandado de notificação, citação e/ou intimação, nos termos do art. 368i do Provimento nº. 02/2012 da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de Goiás. Rio Verde/GO, datada e assinada digitalmente. Márcio Morrone Xavier, Juiz de Direito.

Plano de saúde deve custear cirurgia de redesignação sexual em homem trans

Cabe ao médico, e não à operadora, definir o tratamento para doenças cobertas pelo contrato O procedimento faz parte da transição de gênero e consiste em readequar os órgãos genitais ao gênero pelo qual o paciente se identifica. O autor já mudou seu registro civil, passou por hormonioterapia e mastectomia, possui acompanhamento médico e psicológico e recebeu prescrição médica para a cirurgia transexualizadora, que foi negada pelo plano de saúde. Ao recusar a cobertura, a operadora alegou que a cirurgia teria caráter estético e, portanto, não haveria obrigação de custear o procedimento. Além disso, afirmou que a operação tem cobertura pelo SUS e que não cometeu ato ilícito ao rejeitar o procedimento. No entanto, o plano acabou condenado pela Justiça paulista a custear a cirurgia. O relator, desembargador Fernando Reverendo Vidal Akaoui, manteve a sentença e disse que, em casos semelhantes, o TJ-SP tem considerado ilegítima a recusa dos planos, com base na Súmula 102 da corte, que diz que, "havendo expressa indicação médica, é abusiva a negativa de cobertura de custeio de tratamento sob o argumento da sua natureza experimental ou por não estar previsto no rol de procedimentos da ANS". Além disso, o relator disse que a cirurgia consta como procedimento de cobertura obrigatória no rol da ANS. “A ANS reconhece igualmente que os transtornos da identidade sexual diagnosticados possuem tratamento com cobertura contratual e nesse sentido cabe ao médico assistente e não à operadora definir o tratamento da patologia coberta pelo contrato”, afirmou o desembargador. Akaoui também solicitou nota técnica ao NatJus-SP para verificar se a cirurgia pleiteada seria efetivamente imprescindível, nas circunstâncias clínicas do autor, e recebeu parecer favorável ao procedimento, o que também justificou a ordem para realização da cirurgia. A decisão se deu por unanimidade. Processo 1000406-60.2020.8.26.0565

quarta-feira, 3 de maio de 2023

Justiça manda indenizar homem que sofreu estupro coletivo em cadeia do Amapá

A 1ª Vara Cível e de Fazenda Pública de Macapá condenou o governo do Amapá a pagar R$ 10 mil por danos morais e R$ 30 mil a título de danos estéticos pelo estupro coletivo sofrido por um homem, então com 18 anos, após ter sido acusado de estupro de vulnerável contra um bebê de 1 e 3 meses, enteado dele. Ele foi inocentado do crime, após exames constatarem que a criança não havia sofrido violência sexual. Procurado, o governo estadual informou que inicialmente não vai recorrer da decisão. Já a defesa pretende recorrer do valor, uma vez que no pedido inicial, de 2016, pleiteava o pagamento de R$ 215 mil e pensão vitalícia. Em 2014, o agricultor José Nilson dos Santos Sena foi preso suspeito do crime e levado ao Iapen (Instituto de Administração Penitenciária do Amapá), sendo chamado pelos moradores de "monstro de Itaubal", a cidade onde vivia. Pelo relato da vítima, ele sofreu torturas e estupro coletivo pelos detentos, chegando a contrair sífilis. Após as agressões, a vítima foi encaminhada ao Hospital de Emergência. Ele foi submetido a tratamentos e, em seguida, recebeu alta, voltando para uma cela mais segura, no Iapen, onde ficou até o resultado do laudo da perícia no bebê. Os relatos de abusos sexuais contra Sena foram anexados ao processo no Juizado Especial de Fazenda Pública de Macapá. Na sentença contra o Iapen, a Justiça reconheceu o estupro coletivo na cadeia com base no atendimento realizado no pronto-socorro. O laudo emitido pela Polícia Científica, no dia 11 de abril daquele ano, apontava que o bebê havia tido uma diarreia crônica que lhe causou uma grave assadura, descartando violência sexual. Dessa forma, a Justiça expediu o alvará de soltura no mesmo dia e arquivou o processo contra Sena. Ele foi então solto. Segundo o advogado Kleber Assis, por causa do trauma da prisão e da violência que sofreu, Sena desenvolveu síndrome do pânico e não consegue se aproximar de pessoas nem ser inserido no mercado de trabalho. Sena se sustenta com trabalhos temporários como agricultor e ajuda de parentes. Após o episódio, a ex-companheira e o enteado foram morar em outro estado. Eles nunca mais tiveram contato com o agricultor. A decisão, diz o advogado, "foi aquém em relação a tudo o que José Nilson sofreu, mesmo diante do reconhecimento da Justiça em relação a tortura e ao estupro coletivo. Ele deveria receber a pensão vitalícia em razão do problema que adquiriu, e agora não consegue trabalhar, isso não foi levado em consideração". Em 2014, José Nilson dos Santos Sena, então com 18, a mulher, com 17 anos na época, e o enteado saíram de Itaubal, no interior, e se mudaram para Macapá em busca de melhores condições de vida. Poucos dias após a mudança, porém, moradores do bairro Perpétuo Socorro, periferia da zona leste de Macapá, tentaram linchar o rapaz diante do boato que ele teria estuprado o bebê de 1 ano e 3 meses, que apresentava sangramento no ânus. A informação repercutiu na vizinhança e ele ganhou o apelido de "Monstro de Itaubal". José Nilson foi brutalmente agredido pela população com socos, pauladas e chutes até a chegada da Polícia Militar. O rapaz foi conduzido à delegacia, mas não conseguiu responder às perguntas, segundo a defesa, porque estava em estado de choque. Depois da audiência de custódia, o agricultor foi levado a uma cela do Iapen. No depoimento de Sena à polícia, registrado no dia 24 de abril, ele relatou inúmeras agressões. Conforme o relato dele em boletim de ocorrência, os agentes penitenciários o levaram para um banheiro, onde teve a cabeça atingida por golpes de cassetete dos próprios agentes. Segundo ainda o relato da vítima, os agentes o apresentaram para os detentos como o autor do estupro do bebê, o que teria incentivado o ódio generalizado entre os presos. Revoltados, os presos quebraram a parede da cela onde Sena estava isolado e tiveram acesso a ele, que foi violentamente agredido, principalmente na cabeça e no rosto. A vítima disse que teve que se fingir de morto para o espancamento cessar. Em nota, o Iapen disse que seguiu todos os ritos para apuração da denúncia, com instauração da Investigação Preliminar Administrativa pela Corregedoria Penitenciária, que concluiu que não foram encontrados indícios que apontassem para o desvio de conduta dos servidores. "Os agentes penitenciários alegaram, na época, que não tinham ouvido a destruição de uma parede da cela. Com isso, José Nilson foi brutalmente atacado com o apoio dos agentes penitenciários que fizeram vista grossa e deixaram que a barbárie acontecesse", afirmou o advogado Kleber Assis.

terça-feira, 2 de maio de 2023

Capivara Filó é devolvida a Agenor, dando-lhe a guarda provisória do animal.

É o relatório. Inicialmente, constata-se que se trata de demanda que precisa ser apreciada no plantão judiciário considerando que envolve a efetivação de medidas para se garantir a manutenção da vida ou das condições de saúde de um animal que, até pouco tempo, encontrava-se vivendo em seu local habitual e foi abruptamente levado a um centro de triagem que, segundo se alega, não apresenta os requisitos mínimos de salubridade. Há notícias de que o animal se encontra em instalações que não são condignas, havendo, portanto, risco iminente à sua saúde, que precisa ser afastado sem indevida demora. A tutela provisória de urgência encontra regramento nos arts. 300 e seguintes do Código de Processo Civil. Seus requisitos estão, especificamente, elencados no art. 300: Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. § 1º Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer, podendo a caução ser dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la. § 2º A tutela de urgência pode ser concedida liminarmente ou após justificação prévia. § 3º A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão. Como se observa, os três requisitos para concessão da tutela de urgência são: 1) a probabilidade do direito; 2) o perigo da demora; e 3) a reversibilidade do direito, este último previsto no § 3º do art. 300. A probabilidade do direito, também chamado na prática forense de fumus boni iuris, segundo a doutrina de FREDIE DIDIER JR., PAULA SARNO BRAGA E RAFAEL ALEXANDRIA DE OLIVEIRA consiste no seguinte: “A probabilidade do direito a ser provisoriamente satisfeito/realizado ou acautelado é a plausibilidade de existência desse mesmo direito. O bem conhecido fumus boni iuris (ou fumaça do bom direito). O magistrado precisa avaliar se há ‘elementos que evidenciem’ a probabilidade de ter acontecido o que foi narrado e quais as chances de êxito do demandante (art. 300, CPC). Inicialmente, é necessária a verossimilhança fática, com a constatação de que há um considerável grau de plausibilidade em torno da narrativa dos fatos trazida pelo autor. É preciso que se visualize, nessa narrativa uma verdade provável sobre os fatos, independentemente da produção de prova. Junto a isso, deve haver uma plausibilidade jurídica, com a verificação de que é provável a subsunção dos fatos à norma invocada, conduzindo aos efeitos pretendidos.” (DIDIER JÚNIOR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil. Volume 2: Teoria da Prova, Direito Probatório, Decisão, Precedente, Coisa Julgada e Tutela Provisória. Salvador: Editora JusPodivm, 2017, pp. 675-676) 1) Probabilidade do direito No caso vertente, a probabilidade do direito se encontra preenchida. No dia de hoje, 29/04/2023, cumprindo determinação judicial, quatro Médicos Veterinários (GUILHERME DIAS DO AMOR DIVINO, ALESSANDRA OSSUOSKY CHIXARO, VITÓRIA LUÍZA SOARES SILVA DE SOUZA e HUMBERTO SALOMÃO NUNES LEÃO) e um Biólogo (RODRIGO MORAES HIDALGO) fizeram visita técnica ao Centro de Triagem de Animais Silvestres do IBAMA para avaliar as condições em que se encontrava a capivara (Hydrichoerus hydrochaeris), denominada FILÓ. Os profissionais elaboraram “laudo pericial de bem-estar animal”, que foi juntado aos autos (ID 1600002849), documento no qual são expostas preocupantes conclusões. Os Médicos Veterinários e o Biólogo iniciam analisando as condições físicas do local e nos fornecem as seguintes impressões: “O local está localizado na Rua Ministro João Gonçalves de Souza, sem número, KM1, BR319, Distrito Industrial I, Manaus/AM. O Centro de Triagem de Animais Silvestres - CETAS se encontra em área urbana e foram confirmadas as suspeitas de que a estrutura do IBAMA não está em conformidade com as mínimas condições de permanência para a apreensão da capivara FILÓ. No local, verifica-se uma grande quantidade de animais em cativeiro, momento em que foi percebido odor forte desagradável proveniente do interior do CETAS, pois foi constatado que não existem anteparos que impeçam ou minimizem a propagação de odores que podem ser dispersos mais intensamente pelas correntes de ar. No interior do CETAS constatou-se que não se encontrava em boas condições de higiene, sendo perceptível um forte odor e acúmulo de dejetos. Ressalta-se que todos os relatos foram comprovados através de registros fotográficos, inclusos em anexo. Quanto ao recinto que o animal estava alojado, verificou-se que não atende a normativa 07 do IBAMA, de 30 de abril de 2015, com referência a página 62, anexo IV, capítulo VII, ao qual rege que o recinto adequado para a espécie deve atender o mínimo de área de 70m², tendo ainda, 20% do mesmo de lâmina de água e que precisa de solo rasteiro e vegetação similar ao habitat natural.” (sem grifos no original) Os profissionais continuam: “Constatou-se que no momento da perícia, a capivara FILÓ encontrava-se em um espaço reduzido, no qual a impossibilita de pequenas corridas, local inapropriado para seu comportamento natural e conforto para descanso, ausência de superfície confortável, vez que no local do recinto o solo é recoberto de cimento, não havendo forragem ou terreno em condição natural. Restou configurada, ainda, a falta de água em banheira que seria reservada para banho natural. Além disso, conforme anexo, a reserva de água estava coberta de larvas de insetos. Desta forma, o indicador de conforto foi considerado INADEQUADO.” No que tange aos indicadores nutricionais, os achados foram também preocupantes: “Não é possível determinar a frequência de alimentação, tendo em vista que a equipe participou da perícia aguardou o dia inteiro na repartição e não houve reposição de alimento para o animal. Não há cardápio ou plano nutrição para o animal, assim como, as condições das geladeiras e da cozinha do CETAS encontram-se em estado precário. Não foi reposta a água, caracterizando ausência de água fresca. As condições de higiene do bebedouro estavam inadequadas, tudo conforme fotografias em anexo. Conclui-se, portanto, que o indicador nutricional foi considerado INADEQUADO.” No tópico acerca dos indicadores comportamentais, os profissionais apontam que: “Restou claro os recursos ambientais insuficientes, pois, como já foi apresentado no indicador de conforto, o animal não possui condições para pequenas corridas, a banheira reservada para a capivara encontra-se vazia, a impedindo de nadar e realizar seus comportamentos naturais. Ademais, as grades encontram-se com a pintura descascada que, em caso de ingestão, pode provocar intoxicação do animal e até causar lesões. Foi constatado isolamento social, vez que a capivara vivia em um ambiente seminatural, em área rural, detentora de tratador por 24 horas por dia, ao qual, alimentava, possibilitava o banho de sol e alimentação condizente a encontrada em vida livre. E, após recolhimento do animal pelo IBAMA, encontra-se em recinto inadequado, ao qual não atende a legislação vigente do próprio órgão. Ainda, conforme relatado aos peritos, foi constatado que o animal não está em ambiente saudável para o seu bem-estar, assim como, não detém, para o momento de atenção total, por se tratar de um animal outrora domesticado, vindo com isso, ocasionar estresse fora dos padrões para a espécie. Com ressalva, a vocalização do animal, proveniente da perturbação causada pelos demais animais confinados em ambiente impróprio, demonstrando outro fator causador de estresse no animal. Contata-se tal indagação de estresse pelas fezes encontradas no piso inadequado do recinto, ao qual se sabe que para a espécie o local adequado para a defecação é em lâmina de água. Além de que, no que se refere a alimentação, não foi encontrada nenhum tipo de proteína animal a ser oferecida como alimentação, nem tampouco por se tratar de um exemplar que precisa, para o momento, de atenção redobrada, um plano de alimentação ou dieta alimentar.” Ao examinar as condições gerais do CETAS, local onde está a capivara, o laudo pontua que: “Conforme atestado pela equipe pericial, as condições do CETAS-IBAMA são precárias. Os quelônios não possuem área úmida que cubra totalmente a sua carapaça, há mistura de espécies de aves no mesmo ambiente, a cerca limitante do órgão é precária e não impede a invasão de animais domésticos em situação de rua, foram encontrados medicamentos e suplementos vencidos, além de outras condições precárias, que necessitam de investigação a fundo.” Por fim, a conclusão do laudo, subscrito por quatro Médicos Veterinários e um Biólogo é no sentido de que: “A equipe técnica declara como INADEQUADA as condições de bem-estar do animal, assim como a clara as irregularidades da legislação vigente.” Além do laudo, a petição inicial é instruída com fotos comprovando as precárias condições e a existência de remédios vencidos no local. 2) Perigo da demoraNum. O perigo da demora está comprovado pelo que foi exposto acima, considerando que, segundo a equipe técnica que avaliou o animal na data de hoje, ele se encontra em condições inadequadas, havendo “irregularidades da legislação vigente.” As irregularidades apontadas colocam em risco a saúde e a própria vida do animal em questão. 3) Reversibilidade do direito Por derradeiro, resta ainda falar do último requisito, qual seja a reversibilidade do direito, o qual, nas palavras de JOSÉ MIGUEL GARCIA MEDINA, constitui o seguinte: “Dispõe o § 3º do art. 300 do CPC/2015 que não se concederá tutela de urgência de natureza antecipada “quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão”. Corrigiu-se, no ponto, redação menos precisa antes existente no § 2.º do art. 273 do CPC/1973, que se referia à irreversibilidade “do provimento antecipado”. A decisão que antecipa efeitos da tutela é revogável (cf. art. 807 do CPC/1973). Irreversibilidade, pois, não se liga à decisão, mas aos seus efeitos (a respeito, cf. o que escrevemos em Tutela antecipatória e o perigo da irreversibilidade do provimento, RePro 86/2, jun./1997).” (MEDINA, José Miguel Garcia. Novo Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017, p. 511). O pedido para devolução da capivara ao seu antigo tutor é medida plenamente reversível. Assim, caso, ao final do processo, conclua-se que as condições em que o animal vive no centro de triagem do IBAMA são melhores do que aquelas em que ele vivia, será possível o seu retorno ao CETAS. O que talvez seja irreversível será a manutenção da capivara no CETAS tendo em vista que, pelo relato da equipe técnica, existe concreto risco à saúde do animal. Registre-se, por fim, que toda essa controvérsia envolvendo a apreensão do animal que, supostamente, estaria sendo criado pelo autor como pet, é fruto de um profundo desconhecimento da realidade do interior do Amazonas e de um choque cultural. Pelos diversos vídeos divulgados, constata-se que o autor, morador da zona rural de um pequeno Município do interior do Estado do Amazonas, vive em perfeita e respeitosa simbiose com a floresta e com os animais ali existentes. Não há muros ou cercas que separam o casebre de madeira do autor em relação aos limites da floresta. Os animais circundam a casa e andam livremente em direção à residência ou no rumo do interior da mata. Não há animais de estimação no quintal da casa do autor porque o seu quintal é a própria Floresta Amazônica. Percebe-se, portanto, que não é a Filó que mora na casa de Agenor. É o autor que vive na floresta, como ocorre com outros milhares de ribeirinhos da Amazônia, realidade muito difícil de ser imaginada por moradores de outras localidades urbanas do Brasil. Ante o exposto, concedo a tutela provisória de urgência para que, até o desfecho da lide, seja deferida a guarda provisória da capivara Filó a Agenor Bruce Tupinambá. Como consequência, determino que o IBAMA seja compelido a fazer a entrega do animal ao autor, imediatamente. Fica autorizado o transporte de Filó, pelo requerente, para que retorne ao seu habitat natural, desde que se comprove que esse transporte se fará com meios seguros e adequados, o que deverá ser atestado por Médico Veterinário e/ou Biólogo. Enquanto não se efetiva o transporte de Filó, ela deverá permanecer no Zoológico do Tropical Hotel, considerando que o autor informa já ter obtido o aval do RT Biólogo Ricardo dos Santos Amaral, CRBio-90196D. Deverá o autor informar ao juízo periodicamente as condições de saúde do animal, devendo também ser facultado livre acesso de órgãos ambientais para fiscalização da capivara. Fica, desde já, designado o Oficial de Justiça para que efetue o regular cumprimento das medidas aqui impostas, estando autorizado que se requisite força policial caso seja necessário. Considerando que Filó será resgatada, mas existem outros animais que ainda se encontram no CETAS, determino que sejam encaminhadas cópias dos autos, em especial do laudo, ao Ministério Público Federal para que sejam tomadas as providências que o caso requer. Cumpra-se imediatamente servindo a presente decisão como meio executório. MÁRCIO ANDRÉ LOPES CAVALCANTE Juiz Federal

segunda-feira, 1 de maio de 2023

Justiça Federal reconhece dano moral de R$ 20 mil a idosa por suspensão de aposentadoria

Julgando que houve constrangimento, humilhação e abalo à honra, o juiz federal substituto Danilo Dias Vasconcelos de Almeida, da 1ª Vara Federal de Macaé (RJ), determinou o pagamento de R$ 20 mil em indenização por danos morais a uma idosa que teve benefício previdenciário suspenso em 2019 pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). A mulher, hoje com 100 anos de idade, recebia os valores relativos à aposentadoria desde março de 1989. Ao final de 2019, contudo, o benefício foi interrompido sem justificativa. Três meses depois, a família protocolou o pedido de reativação do pagamento. Por causa da demora na análise do pedido, impetraram mandado de segurança no tribunal, que foi concedido. No entanto, a autarquia arquivou a solicitação, alegando ausência de documentação à curatela. Em nova ação contra o arquivamento, o restabelecimento do benefício foi determinado em novembro de 2021. A juíza do caso identificou que os documentos necessários para a reativação haviam sido enviados corretamente ao INSS. Após o restabelecimento do benefício, a família da idosa ingressou com o pedido de indenização por danos morais. Para o juiz federal Danilo Almeida, o não restabelecimento injustificado do pagamento seria, para qualquer beneficiário, "situação delicada a sua subsistência". "Tratando-se, então, de uma pessoa idosa, centenária e curatelada, não restam dúvidas de todos os transtornos, muito além de 'meros aborrecimentos', os quais refletiram em sua vida. Em sede de danos morais, resta compreendido que, o dano moral indenizável pressupõe um aborrecimento que foge ao padrão médio, um constrangimento, uma humilhação, enfim, um abalo de tal ordem que atinja a honra daquele que foi ofendido." Para os pesquisadores e professores Sérgio Salvador e Theodoro Vicente Agostinho, especialistas em Direito Previdenciário, a decisão abre relevante precedente de dano moral previdenciário. "A aposentadoria foi indevidamente cessada e mesmo após ter procurado o Judiciário com um mandado de segurança em que foi vitoriosa, o INSS preferiu arquivar o processo administrativo e atrasar o restabelecimento do benefício. Serviu a tese do dano moral para corrigir, compensar e também dar efeito pedagógico para que condutas absurdas como essa não se repitam."

Empresa deve pagar indenização de R$ 20 mil a uma auxiliar de limpeza que sofreu acidente ao cair de uma escada

A trabalhadora atuava na empresa Top Service prestando serviços à empresa de energia elétrica Eletropaulo. Segundo o relato da mulher, ela estava no alto da escada, limpando uma porta de aço com vidro, quando a escada escorregou. Com a queda, ela deslocou o ombro e precisou ficar afastada pelo INSS por dois meses. Segundo a auxiliar, ela não foi treinada para limpar locais altos com a escada — que não tinha borracha antiderrapante nos pés. No dia do acidente, a trabalhadora disse que havia questionado seu supervisor sobre o risco, mas ele disse que "era para fazer mesmo assim". O juízo da Vara do Trabalho de Jandira (SP) considerou que a iniciativa de utilizar a escada sem observância das normas de segurança partiu da própria empregada, o que caracterizaria a culpa exclusiva da vítima para a ocorrência do acidente. Por isso, indeferiu o pedido de indenização. O Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (Grande São Paulo e litoral paulista) manteve a sentença. No entanto, na análise do recurso de revista da auxiliar ao TST, a redatora designada, desembargadora convocada Margareth Rodrigues Costa, votou para reconhecer a responsabilidade civil subjetiva do empregador pelo dano moral decorrente do acidente de trabalho. Ela registrou que a negligência do empregador pode se configurar pelo fornecimento de instrumentos de trabalho inseguros ou inadequados e pela ausência de fiscalização do cumprimento das normas de segurança ou de uso dos equipamentos efetivamente fornecidos pelo empregador. Assim, a desembargadora disse que a tese da culpa exclusiva da vítima somente se aplica quando ficar demonstrado que, apesar de a empresa ter cumprido todos os procedimentos de segurança, a empregada, por conduta equivocada e imprevisível, escolhe fazer procedimento inseguro, dando causa ao acidente. No caso, porém, segundo a relatora, a decisão do TRT reproduz depoimentos que revelam que a escada estava desgastada e que a empregada teria posto um pano molhado embaixo, "para dar mais firmeza", e se acidentado. "Se a empresa não se desvencilhou da obrigação de oferecer equipamento necessário ao trabalho em condições adequadas e tornar indisponíveis equipamentos danificados, evitando seu uso, não pode imputar à empregada a culpa pelo acidente", afirmou a magistrada. Diante dessa fundamentação, por unanimidade, a 2ª Turma acompanhou o voto da desembargadora.

Mulher atropelada por Lima Duarte pede indenização de R$ 1,2 mi e pensão de R$ 5.000

Simone Regina de Abreu Nunes, que foi atropelada pelo ator Lima Duarte no começo de março passado, entrou com um processo na Justiça em que exige indenização de R$ 1,2 milhão. Ela solicita, ainda, que a Justiça garanta o pagamento de pensão mensal no valor de R$ 5.000. A ação foi protocolada na sexta-feira (28) no Tribunal de Justiça de São Paulo. De acordo com a vítima, que sofreu o acidente enquanto pilotava sua moto e teve cinco ossos da bacia fraturados, ela teria sido obrigada a parar de trabalhar por conta de seu estado de saúde. Na ocasião do atropelamento, já internada, Simone Regina comentou em entrevista a sua situação profissional. "Eu tirava, em média, R$1.000, R$ 1.200 por semana. Se eu ficar em casa dois meses, são oito semanas. Faz a conta de quanto eu estou deixando de ganhar. E as minhas contas não vão parar de chegar", declarou. Lima Duarte, por meio de sua defesa, alega que está sendo alvo de "calúnia e difamação". O ator de 93 anos atropelou Simone Regina no bairro da Barra Funda, zona oeste de São Paulo. De acordo com sua assessoria, não é possível atestar quem teve a culpa, mas Lima prestou socorro e se colocou à disposição desde o princípio para ajudar nas investigações. Em nota redigida pelo próprio ator, ele deu mais detalhes sobre o incidente. "Gostaria de esclarecer que, enquanto dirigia meu carro, fui envolvido em um acidente com uma motocicleta. Após a colisão, imediatamente prestei os devidos socorros à motociclista e aguardei a chegada da polícia", diz trecho do comunicado. "A minha prioridade foi garantir que a motociclista recebesse a assistência necessária e que a situação fosse tratada com a maior seriedade possível. Gostaria de destacar que sou um motorista consciente e responsável", emendou. Segundo informações divulgadas pelo UOL, os advogados de Lima Duarte afirmam que já foi feito um acordo com a motociclista, no valor de R$ 30 mil, e que o pagamento já teria sido feito. Sobre o caso, em postagem recente no Instagram o artista se disse alvo de etarismo, isto é, discriminação contra pessoas consideradas velhas. "Só se preocupam em saber a minha idade, em afirmar categoricamente que um homem de 93 anos como eu sou responsável por qualquer acidente que aconteça comigo", disse.