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terça-feira, 2 de maio de 2023
Capivara Filó é devolvida a Agenor, dando-lhe a guarda provisória do animal.
É o relatório.
Inicialmente, constata-se que se trata de demanda que precisa ser apreciada
no plantão judiciário considerando que envolve a efetivação de medidas para se garantir a
manutenção da vida ou das condições de saúde de um animal que, até pouco tempo,
encontrava-se vivendo em seu local habitual e foi abruptamente levado a um centro de
triagem que, segundo se alega, não apresenta os requisitos mínimos de salubridade. Há
notícias de que o animal se encontra em instalações que não são condignas, havendo,
portanto, risco iminente à sua saúde, que precisa ser afastado sem indevida demora.
A tutela provisória de urgência encontra regramento nos arts. 300 e seguintes
do Código de Processo Civil. Seus requisitos estão, especificamente, elencados no art.
300:
Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a
probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
§ 1º Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução
real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer,
podendo a caução ser dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder
oferecê-la.
§ 2º A tutela de urgência pode ser concedida liminarmente ou após justificação prévia.
§ 3º A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo
de irreversibilidade dos efeitos da decisão.
Como se observa, os três requisitos para concessão da tutela de urgência
são:
1) a probabilidade do direito;
2) o perigo da demora; e
3) a reversibilidade do direito, este último previsto no § 3º do art. 300.
A probabilidade do direito, também chamado na prática forense de fumus
boni iuris, segundo a doutrina de FREDIE DIDIER JR., PAULA SARNO BRAGA E
RAFAEL ALEXANDRIA DE OLIVEIRA consiste no seguinte:
“A probabilidade do direito a ser provisoriamente satisfeito/realizado ou acautelado é a
plausibilidade de existência desse mesmo direito. O bem conhecido fumus boni iuris (ou
fumaça do bom direito).
O magistrado precisa avaliar se há ‘elementos que evidenciem’ a probabilidade de ter
acontecido o que foi narrado e quais as chances de êxito do demandante (art. 300, CPC).
Inicialmente, é necessária a verossimilhança fática, com a constatação de que há um
considerável grau de plausibilidade em torno da narrativa dos fatos trazida pelo autor. É
preciso que se visualize, nessa narrativa uma verdade provável sobre os fatos,
independentemente da produção de prova.
Junto a isso, deve haver uma plausibilidade jurídica, com a verificação de que é provável a
subsunção dos fatos à norma invocada, conduzindo aos efeitos pretendidos.” (DIDIER
JÚNIOR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito
Processual Civil. Volume 2: Teoria da Prova, Direito Probatório, Decisão, Precedente, Coisa
Julgada e Tutela Provisória. Salvador: Editora JusPodivm, 2017, pp. 675-676)
1) Probabilidade do direito
No caso vertente, a probabilidade do direito se encontra preenchida.
No dia de hoje, 29/04/2023, cumprindo determinação judicial, quatro
Médicos Veterinários (GUILHERME DIAS DO AMOR DIVINO, ALESSANDRA
OSSUOSKY CHIXARO, VITÓRIA LUÍZA SOARES SILVA DE SOUZA e HUMBERTO
SALOMÃO NUNES LEÃO) e um Biólogo (RODRIGO MORAES HIDALGO) fizeram visita
técnica ao Centro de Triagem de Animais Silvestres do IBAMA para avaliar as condições
em que se encontrava a capivara (Hydrichoerus hydrochaeris), denominada FILÓ.
Os profissionais elaboraram “laudo pericial de bem-estar animal”, que foi
juntado aos autos (ID 1600002849), documento no qual são expostas preocupantes
conclusões.
Os Médicos Veterinários e o Biólogo iniciam analisando as condições físicas
do local e nos fornecem as seguintes impressões:
“O local está localizado na Rua Ministro João Gonçalves de Souza, sem
número, KM1, BR319, Distrito Industrial I, Manaus/AM. O Centro de Triagem
de Animais Silvestres - CETAS se encontra em área urbana e foram
confirmadas as suspeitas de que a estrutura do IBAMA não está em
conformidade com as mínimas condições de permanência para a
apreensão da capivara FILÓ.
No local, verifica-se uma grande quantidade de animais em cativeiro,
momento em que foi percebido odor forte desagradável proveniente do
interior do CETAS, pois foi constatado que não existem anteparos que
impeçam ou minimizem a propagação de odores que podem ser dispersos
mais intensamente pelas correntes de ar.
No interior do CETAS constatou-se que não se encontrava em boas
condições de higiene, sendo perceptível um forte odor e acúmulo de dejetos.
Ressalta-se que todos os relatos foram comprovados através de registros
fotográficos, inclusos em anexo.
Quanto ao recinto que o animal estava alojado, verificou-se que não
atende a normativa 07 do IBAMA, de 30 de abril de 2015, com referência
a página 62, anexo IV, capítulo VII, ao qual rege que o recinto adequado
para a espécie deve atender o mínimo de área de 70m², tendo ainda, 20%
do mesmo de lâmina de água e que precisa de solo rasteiro e vegetação
similar ao habitat natural.” (sem grifos no original)
Os profissionais continuam:
“Constatou-se que no momento da perícia, a capivara FILÓ encontrava-se em
um espaço reduzido, no qual a impossibilita de pequenas corridas, local
inapropriado para seu comportamento natural e conforto para descanso,
ausência de superfície confortável, vez que no local do recinto o solo é
recoberto de cimento, não havendo forragem ou terreno em condição natural.
Restou configurada, ainda, a falta de água em banheira que seria reservada
para banho natural. Além disso, conforme anexo, a reserva de água estava
coberta de larvas de insetos.
Desta forma, o indicador de conforto foi considerado INADEQUADO.”
No que tange aos indicadores nutricionais, os achados foram também
preocupantes:
“Não é possível determinar a frequência de alimentação, tendo em vista que a
equipe participou da perícia aguardou o dia inteiro na repartição e não houve
reposição de alimento para o animal. Não há cardápio ou plano nutrição para
o animal, assim como, as condições das geladeiras e da cozinha do CETAS
encontram-se em estado precário.
Não foi reposta a água, caracterizando ausência de água fresca. As
condições de higiene do bebedouro estavam inadequadas, tudo conforme
fotografias em anexo.
Conclui-se, portanto, que o indicador nutricional foi considerado
INADEQUADO.”
No tópico acerca dos indicadores comportamentais, os profissionais apontam
que:
“Restou claro os recursos ambientais insuficientes, pois, como já foi
apresentado no indicador de conforto, o animal não possui condições para
pequenas corridas, a banheira reservada para a capivara encontra-se vazia, a
impedindo de nadar e realizar seus comportamentos naturais.
Ademais, as grades encontram-se com a pintura descascada que, em caso
de ingestão, pode provocar intoxicação do animal e até causar lesões.
Foi constatado isolamento social, vez que a capivara vivia em um ambiente
seminatural, em área rural, detentora de tratador por 24 horas por dia, ao
qual, alimentava, possibilitava o banho de sol e alimentação condizente
a encontrada em vida livre. E, após recolhimento do animal pelo IBAMA,
encontra-se em recinto inadequado, ao qual não atende a legislação vigente
do próprio órgão.
Ainda, conforme relatado aos peritos, foi constatado que o animal não está
em ambiente saudável para o seu bem-estar, assim como, não detém, para o
momento de atenção total, por se tratar de um animal outrora domesticado,
vindo com isso, ocasionar estresse fora dos padrões para a espécie. Com
ressalva, a vocalização do animal, proveniente da perturbação causada pelos
demais animais confinados em ambiente impróprio, demonstrando outro fator
causador de estresse no animal.
Contata-se tal indagação de estresse pelas fezes encontradas no piso
inadequado do recinto, ao qual se sabe que para a espécie o local adequado
para a defecação é em lâmina de água. Além de que, no que se refere a
alimentação, não foi encontrada nenhum tipo de proteína animal a ser
oferecida como alimentação, nem tampouco por se tratar de um exemplar
que precisa, para o momento, de atenção redobrada, um plano de
alimentação ou dieta alimentar.”
Ao examinar as condições gerais do CETAS, local onde está a capivara, o
laudo pontua que:
“Conforme atestado pela equipe pericial, as condições do CETAS-IBAMA são
precárias. Os quelônios não possuem área úmida que cubra totalmente a sua
carapaça, há mistura de espécies de aves no mesmo ambiente, a cerca
limitante do órgão é precária e não impede a invasão de animais domésticos
em situação de rua, foram encontrados medicamentos e suplementos
vencidos, além de outras condições precárias, que necessitam de
investigação a fundo.”
Por fim, a conclusão do laudo, subscrito por quatro Médicos Veterinários e um
Biólogo é no sentido de que:
“A equipe técnica declara como INADEQUADA as condições de bem-estar do
animal, assim como a clara as irregularidades da legislação vigente.”
Além do laudo, a petição inicial é instruída com fotos comprovando as
precárias condições e a existência de remédios vencidos no local.
2) Perigo da demoraNum.
O perigo da demora está comprovado pelo que foi exposto acima,
considerando que, segundo a equipe técnica que avaliou o animal na data de hoje, ele se
encontra em condições inadequadas, havendo “irregularidades da legislação vigente.”
As irregularidades apontadas colocam em risco a saúde e a própria vida do
animal em questão.
3) Reversibilidade do direito
Por derradeiro, resta ainda falar do último requisito, qual seja a reversibilidade
do direito, o qual, nas palavras de JOSÉ MIGUEL GARCIA MEDINA, constitui o seguinte:
“Dispõe o § 3º do art. 300 do CPC/2015 que não se concederá tutela de urgência de
natureza antecipada “quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão”.
Corrigiu-se, no ponto, redação menos precisa antes existente no § 2.º do art. 273 do
CPC/1973, que se referia à irreversibilidade “do provimento antecipado”. A decisão que
antecipa efeitos da tutela é revogável (cf. art. 807 do CPC/1973). Irreversibilidade, pois, não
se liga à decisão, mas aos seus efeitos (a respeito, cf. o que escrevemos em Tutela
antecipatória e o perigo da irreversibilidade do provimento, RePro 86/2, jun./1997).”
(MEDINA, José Miguel Garcia. Novo Código de Processo Civil Comentado. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2017, p. 511).
O pedido para devolução da capivara ao seu antigo tutor é medida
plenamente reversível. Assim, caso, ao final do processo, conclua-se que as condições
em que o animal vive no centro de triagem do IBAMA são melhores do que aquelas em
que ele vivia, será possível o seu retorno ao CETAS. O que talvez seja irreversível será a
manutenção da capivara no CETAS tendo em vista que, pelo relato da equipe técnica,
existe concreto risco à saúde do animal.
Registre-se, por fim, que toda essa controvérsia envolvendo a apreensão do
animal que, supostamente, estaria sendo criado pelo autor como pet, é fruto de um
profundo desconhecimento da realidade do interior do Amazonas e de um choque
cultural.
Pelos diversos vídeos divulgados, constata-se que o autor, morador da zona
rural de um pequeno Município do interior do Estado do Amazonas, vive em perfeita e
respeitosa simbiose com a floresta e com os animais ali existentes. Não há muros ou
cercas que separam o casebre de madeira do autor em relação aos limites da floresta. Os
animais circundam a casa e andam livremente em direção à residência ou no rumo do
interior da mata. Não há animais de estimação no quintal da casa do autor porque o seu
quintal é a própria Floresta Amazônica.
Percebe-se, portanto, que não é a Filó que mora na casa de Agenor. É o
autor que vive na floresta, como ocorre com outros milhares de ribeirinhos da Amazônia,
realidade muito difícil de ser imaginada por moradores de outras localidades urbanas do
Brasil.
Ante o exposto, concedo a tutela provisória de urgência para que, até o
desfecho da lide, seja deferida a guarda provisória da capivara Filó a Agenor Bruce
Tupinambá. Como consequência, determino que o IBAMA seja compelido a fazer a
entrega do animal ao autor, imediatamente.
Fica autorizado o transporte de Filó, pelo requerente, para que retorne ao seu
habitat natural, desde que se comprove que esse transporte se fará com meios seguros e
adequados, o que deverá ser atestado por Médico Veterinário e/ou Biólogo.
Enquanto não se efetiva o transporte de Filó, ela deverá permanecer no
Zoológico do Tropical Hotel, considerando que o autor informa já ter obtido o aval do RT
Biólogo Ricardo dos Santos Amaral, CRBio-90196D.
Deverá o autor informar ao juízo periodicamente as condições de saúde do
animal, devendo também ser facultado livre acesso de órgãos ambientais para
fiscalização da capivara.
Fica, desde já, designado o Oficial de Justiça para que efetue o regular
cumprimento das medidas aqui impostas, estando autorizado que se requisite força
policial caso seja necessário.
Considerando que Filó será resgatada, mas existem outros animais que ainda
se encontram no CETAS, determino que sejam encaminhadas cópias dos autos, em
especial do laudo, ao Ministério Público Federal para que sejam tomadas as providências
que o caso requer.
Cumpra-se imediatamente servindo a presente decisão como meio
executório.
MÁRCIO ANDRÉ LOPES CAVALCANTE
Juiz Federal
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