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sábado, 16 de julho de 2022
Relógio de pulso com pulseira frágil: empresa condenada a indenização e um relógio novo
Tipo do Movimento: Sentença
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Trata-se de demanda proposta por-------------------- em face de NORTE GOLD JÓIAS EIRELLI e TECHNOS DA AMAZONIA INDUSTRIA E COMERCIO S A. A parte autora afirma que realizou a compra de um relógio, no valor de R$ 530,00. Alega que o produto apresentou vício. Não há que se falar em decadência, haja vista não se tratar de direito potestativo, mas pretensão de reparação de danos, sujeita ao prazo prescricional de 5 anos disposto no artigo 27 da Lei 8.078?90.
Rejeita-se a preliminar de falta de interesse de agir arguida pelo réu, vez que presentes a adequação e a utilidade da tutela pretendida pela autora. A preliminar de incompetência do juizado deve ser afastada, vez que a lide pode ser resolvida por meio de outras provas, que não a pericial, porque a perícia técnica, a rigor, é despicienda, na forma do artigo 33 da Lei 9.099/95, para o deslinde da causa, à luz da matéria fático probatória existente e das regras de julgamento aplicáveis. Presentes os pressupostos processuais e as condições da ação, passa-se à análise do mérito da causa.
Constata-se, da análise dos autos, que o produto adquirido pela autora apresentou vício, durante o prazo de garantia legal. Com efeito, não se pode olvidar ter o Código Consumerista adotado a chamada teoria da confiança (Vertrauenstheorie), impondo a todos os fornecedores de serviços e/ou produtos da cadeia de consumo novos deveres anexos (Nebenpflicht), dentre os quais, o dever de qualidade, ou seja, de adequação do bem às expectativas legítimas dos consumidores. Dessa forma, caracterizada a inadequação do produto e/ou do serviço, surge para todos aqueles que participaram da colocação e/ou reposição do bem no mercado de consumo o dever de reparar o vício e indenizar o consumidor, propiciando o reequilíbrio e a paz social.
Na lição da ilustre Jurista Cláudia Lima Marques: "A doutrina brasileira mais moderna está denominando Teoria da Qualidade o fundamento único que o sistema do CDC instituiria para responsabilidade (contratual e extracontratual) dos fornecedores. Isto significa que ao fornecedor, no mercado de consumo, a lei impõe um dever de qualidade dos produtos e serviços que presta. Descumprido este dever surgirão efeitos contratuais (inadimplemento contratual ou ônus de suportar os efeitos da garantia por vício) e extracontratuais (obrigação de substituir o bem viciado, mesmo que não haja vínculo contratual, de reparar os danos causados pelo produto ou serviço defeituoso). A Teoria da Qualidade se bifurcaria, no sistema do CDC, na exigência de qualidade-adequação e de qualidade-segurança, segundo o que razoavelmente se pode esperar dos produtos e dos serviços. (...) A imposição deste novo dever legal tem seus limites definidos no CDC, o dever de qualidade liga-se ao princípio da proteção da confiança, confiança esta depositada pelo consumidor no resultado da atividade produtora do fornecedor, confiança esta despertada pela atividade do fornecedor, por seu produto ou serviço, como duas facetas da mesma realidade. (...) O princípio, no caso em exame, seria o da proteção da confiança, o da proteção das legítimas expectativas, contratuais e extracontratuais, criadas no mercado de consumo pela atividade dos fornecedores. Estes por sua atividade, e não só com a colocação de sua marca no produto, mas todos os que contribuíram para a colocação daquele produto no mercado, como técnicos, profissionais, prometeram uma obra isenta de vícios ou defeitos; nisto confiou o consumidor (contratante ou não)." (Marques, Cláudia Lima, in Contratos no Código de Defesa do Consumidor. O novo regime das relações contratuais. Ed. Revista dos Tribunais. 4ª edição. P. 984-987). E mais além: " (...)
Nesse sentido, parece-nos claro que o fim último da garantia de adequação instituída pelo CDC é o reequilíbrio da relação de consumo, especialmente da contratual, pois a garantia concentra-se no objeto do contrato, na sua prestação principal que é o produto ou o serviço adequado ao fim a que se destina. (...) Mas parece-nos que o fundamento, a origem primeira da garantia legal de adequação não é o contrato de consumo, mas a produção para o consumo, isto é, a participação do fornecedor na cadeia de bens destinados ao consumidor e a confiança que qualquer produto colocado no mercado desperta legitimamente no consumidor, um dever legal, um novo ônus, com base na obrigatória boa-fé do fornecedor no mercado. Seria uma garantia implícita (no sentido literal de implied warranty), garantia natural do produto, garantia que o acompanharia desde o seu nascimento, sua fabricação, mas que só poderia ser utilizada pelo consumidor; portanto, só após o contrato de consumo. Esta idéia de garantia como elemento do próprio produto poderia explicar porque todos os fornecedores são responsáveis por ela, e não só aquele que contratou com o consumidor.
Esta garantia implícita é mais do que a marca que o fabricante coloca no produto, a garantia é suportada por todos os que ajudam a inserir o produto no mercado (fabricante, distribuidor, montador e co-comerciante). A garantia, então, acompanharia o produto quando este fosse transmitido a sucessivos consumidores, durante a vida útil do bem, não importando se o vício oculto, por exemplo, em um forno de microondas, aparecerá no primeiro ano ou no segundo, quando já está em mãos da sobrinha da compradora original. Teria assim o CDC instituído não só uma garantia de funcionamento do produto, mas uma garantia até certo ponto de durabilidade." (Marques, Cláudia Lima, in Contratos no Código de Defesa do Consumidor. O novo regime das relações contratuais. Ed. Revista dos Tribunais. 4ª edição. P. 1011-1012). Assim, comprovada a inadequação do produto, durante sua vida útil e demonstrada a participação da ré na cadeia de produção e reparação do produto do autor e ausente a prova da ocorrência de qualquer causa excludente da responsabilidade objetiva da reclamada (v.g eventual fato exclusivo de terceiro), deve responder pelos prejuízos causados ao consumidor. Ante o contexto fático probatório apresentado nos autos deste processo, verifica-se que a hipótese se enquadra à previsão normativa do artigo 18 do Código de Defesa do Consumo, inclusive no que tange à solidariedade dos participantes da cadeia de consumo. Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com as indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas. § 1° Não sendo o vício sanado no prazo máximo de trinta dias, pode o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha: I - a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso; II - a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos; III - o abatimento proporcional do preço. § 3° O consumidor poderá fazer uso imediato das alternativas do § 1° deste artigo sempre que, em razão da extensão do vício, a substituição das partes viciadas puder comprometer a qualidade ou características do produto, diminuir-lhe o valor ou se tratar de produto essencial. Como se vê, a lei concedeu ao fornecedor o direito de solucionar o vício no prazo de 30 dias e, somente após esse prazo, caso não seja sanado, tem o consumidor direito ao concurso eletivo de ações previsto no dispositivo acima mencionado. Nesse cenário, o autor faz jus à a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso. Do exposto, resta evidente o dano moral, "in re ipsa", a ser compensado. O vício do produto, submetendo a autora à privação do bem, frustra a legítima expectativa, gerando ansiedade e angústia ao consumidor, que ultrapassam o mero aborrecimento.
Acresça-se a perda de tempo útil da autora. Os danos morais restaram configurados, decorrentes dos fatos acima narrados, os quais causaram ao autor transtornos e aborrecimentos passíveis de indenização, principalmente por ter que ajuizar a presente demanda para solucionar problema tão simples. Atento ao valor do bem, à capacidade econômica das partes, às consequências do ato e aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, fixo a indenização em R$ 1.500,00.
DISPOSITIVO Pelo exposto, JULGO PROCEDENTES os pedidos iniciais, com resolução de mérito, na forma do artigo 487, I do Código de Processo Civil, para condenar as rés solidariamente a:
1) promoverem substituição do produto objeto da presente lide por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso, no prazo de 15 dias, sob pena de multa única no valor de R$ 1.000,00.
2) a pagarem ao autor a quantia de R$ 1.500,00, a título de dano moral, com correção monetariamente pela tabela prática do egrégio TJRJ desde a data da homologação deste projeto de sentença, com juros de 1% ao mês a partir da citação.
Sem custas nem honorários, a teor do artigo 55 da Lei 9.099/95.
De acordo com o artigo 40 da Lei 9.099/95, submeto o presente à homologação do MM. Juiz de Direito, para que se produzam os devidos efeitos legais.
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