Compartilhar notícias jurídicas, jurisprudências e doutrinas e apresentar dicas sobre direitos dos cidadãos.
sexta-feira, 19 de agosto de 2022
Empresa vai à Justiça por quebra de sigilo em site de avaliação de empregos
Folha de S.Paulo19 Aug 2022
Fernanda Brigatti
A ideia é relativamente simples. Um site agregador de anúncios de vagas que é também uma comunidade onde funcionários e ex-funcionários compartilham anonimamente suas avaliações sobre os empregadores, detalham salários e apontam prós e contras do trabalho no lugar.
No entanto, o espaço acabou ganhando também um outro propósito: um fórum onde ex-funcionários expiavam suas mágoas e usavam do anonimato para derrubar a reputação de antigos patrões, muitos até motivados por novos empregos em concorrentes.
Foi com um argumento semelhante a esse que uma consultoria com sede em São Paulo conseguiu não somente tirar comentários do ar, como também acessou nomes e emails de seus detratores.
Agora, quase um ano depois da primeira decisão provisória favorável à empresa (depois confirmada pela Justiça; a ação já foi encerrada), as informações obtidas pelo site começaram a ser usadas também em ações trabalhistas. Segundo apuração da Folha, a Gradus Consultoria usou esses dados em pelo menos dois processos movidos por ex-funcionários contra a empresa.
Em um deles, a consultoria pediu a desqualificação de uma testemunha que, segundo seus advogados, era um ex-funcionário que, depois de mudar de emprego e passar a trabalhar para um concorrente, deixou avaliações negativas sobre a empresa no Glassdoor —o que a companhia considerou uma campanha difamatória.
No pedido de desqualificação, o ex-funcionário foi identificado por um email que não era o habitual — era aquele usado no registro de sua avaliação sobre a antiga empregadora. Foi quando ex-empregados souberam que seus comentários sigilosos não estavam protegidos.
Um deles percebeu, na mesma época, que seu comentário tinha sido excluído da página da empresa.
Ao questionar a plataforma, o time jurídico da Glassdoor respondeu: “Apesar de ter vencido a grande maioria de casos desse tipo no Brasil nos últimos anos, perdemos esse. Como você, estamos muito desapontados e compartilhamos da sua frustração com esse resultado”.
Agradusnãofoiaprimeiraa ir à Justiça contra a Glassdoor ou a Lovemondays, empresa brasileira com o mesmo perfil, comprada pela americana em 2016. Mas foi uma das primeiras a conseguir uma sentença favorável no Brasil.
A defesa da Gradus diz que não pode se manifestar sobre o assunto, pois o processo tramitou em segredo de Justiça.
A Glassdoor foi procurada por meio de seu departamento de relações públicas nos Estados Unidos, mas não respondeu. O escritório brasileiro que a representa na Justiça não quis comentar.
Para José Renato Laranjeira, da Coalizão Direitos na Rede, o caso da Glassdoor mostra como a Justiça vem sendo ambígua na esfera da proteção de dados. A entrega de nomes, emails e IPS é desproporcional e poderia ter ficado restrita aos dados de conexão, afirma.
O Marco Civil da Internet, de 2014, prevê o acesso aos registros de conexão ou de acesso, mas estabelece que o pedido deve demonstrar indícios de ilicitude, justificar a utilidade dos registros para investigação ou instrução e definir o período ao qual se referem.
A fragilidade em decisões como essa envolvendo a Glassdoor ocorre porque, segundo Laranjeira, o enquadramento desse indício de ilicitude não é tão simples.
“Quando a gente fala de uma empresa, não existe honra subjetiva, apenas a objetiva. E aí há necessidade de demonstração clara e objetiva de que a veiculação daquilo [os comentários] violou a honra objetiva dela, algo que é muito difícil”, afirma Laranjeira, que é também fundador do Lapin (Laboratório de Políticas Públicas e Internet).
Na Justiça, a Glassdoor defende que a determinação de quebra do sigilo dos comentários está em “desconformidade com os precedentes” do próprio TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo), que barrou tentativas semelhantes de acesso a dados.
A Glassdoor se apresenta, em seu site, como uma “comunidade de carreiras que depende da opinião de profissionais como você sobre as empresas”. A mensagem que aparece logo que o usuário se cadastra na página diz ainda: “É sigiloso e leva apenas um minuto”.
Laranjeira vê na decisão o risco de enfraquecimento desse tipo de espaço de manifestação. O comentário sobre um empregador é feito num contexto de subordinação, no qual quem escreve está em situação mais frágil. O anonimato, nesse caso, protege esse lado mais frágil.
No recurso com o qual tentou reverter a abertura de dados, a Glassdoor defendeu que os comentários não eram de fato anônimos, por mais que não fossem identificados. Porém a revelação de nomes e outros dados cadastrais dependia das condições previstas no Marco Civil, algo que, para a empresa, não tinha sido demonstrado.
A empresa também defendeu que os comentários publicados nas páginas das empresas passam por uma equipe de moderação. Os comentários feitos por funcionários e ex-funcionários também podem ser respondidos pelas companhias.
O processo da Gradus contra a Glassdoor correu em segredo de Justiça na primeira instância. Os recursos no TJSP, porém, seguem abertos.
A Gradus pediu concessão de liminar para acessar todos os dados dos perfis responsáveis por 12 comentários, os logs de acesso e os dados de conexão dos autores desses comentários.
Segundo dados do processo, a companhia levantou a suspeita de que haveria uma campanha de difamação por meio da plataforma. A empresa sustentava a hipótese em uma mudança de perfil das avaliações publicadas em março, abril e maio de 2021.
Para a defesa da Glassdoor, não restam dúvidas de se tratou de uma quebra de sigilo de dados que viola o Marco Civil da Internet.
Em outras ações que tramitaram no TJ-SP, a Glassdoor e a Lovemondays conseguiram barrar tentativas de acesso aos dados dos trabalhadores que compartilharam suas opiniões na rede.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário