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terça-feira, 12 de outubro de 2021
Jornalista deve ser indenizada após postagem ofensiva e inverídica - SENTENÇA
SENTENÇA
Narrou, em síntese, que a parte ré, figura pública,
apresentador de televisão, publicou uma postagem na qual divulgou
informações privadas da autora em sua conta na rede social Facebook.
Asseverou que o réu, além de incitar o ódio, divulgou informações
falsas da requerente, uma vez que alardeou foto de apartamento que não
pertence à autora. Acrescentou que em face da publicação do réu
recebeu inúmeras ofensas e ameaças. Disse que após a repercussão da
postagem, a parte ré apagou o conteúdo exposto. Teceu considerações
acerca das violações do direito de imagem e limites da liberdade de
expressão, invocando o artigo 5º, X da Carta Magna. Discorreu sobre os
danos morais sofridos em virtude da inadequada exposição de sua
imagem e pelas ofensas recebidas indevidamente. Postulou a
procedência da ação para que seja o réu condenado o pagamento de
indenização por danos morais na monta de R$ 10.000,00. Juntou
documentos.
Citado, o réu contestou a ação (Evento 30). Salientou que
recebeu a fotografia de pessoa residente em prédio próximo ao da
autora, confiando na informação. Aduziu que a postagem não foi
ofensiva, sendo somente uma crítica política irônica. Alegou que
promoveu a correção da postagem, informando que não se tratava da
residência da autora. Sustentou que a parte autora já cometeu um
equívoco jornalístico e teve de pedir desculpas pelo fato, sem que seu
comportamento fosse tido como de má-fé. Requereu a improcedência da
ação. Pediu AJG. Juntou documentos.
Sobreveio réplica (Evento 38).
O réu foi intimado para juntar documentação para
deferimento da gratuidade judiciária (Evento 40), o qual se manifestou
desistindo da concessão do benefício (Evento 43).
Instadas as partes acerca da ampliação de provas (Evento
45), a autora pediu o julgamento antecipado da lide (Evento 50),
enquanto o réu, no ponto, silenciou, conforme certidão do Evento 53.
Vieram, então, os autos conclusos.
É o relatório. Decido.
Inicio referindo que cabe o julgamento antecipado da lide,
noa termos do art. 355, I, do CPC, pois não houve interesse na
ampliação da prova.
Cuida-se de ação indenizatória por dano moral em que a
autora alega ter havido prática de ato ilícito pelo réu, ao veicular na rede
social Facebook, fotografia de apartamento que não pertenceria a autora,
contendo comentário de cunho político e inverídico. Alegou, em síntese,
que a publicação causou-lhe constrangimento público e maculou a
imagem da autora, implicando em diversos insultos e palavras ofensivas
nos comentários da postagem e aplicativo de mensagens.
Inicialmente, cumpre destacar que, apesar de o direito à
informação e à liberdade de expressão serem resguardados
constitucionalmente (art. 5 V, e X e art. 221, IV, da CF/88), tais direitos
não são absolutos, pois há limites que devem ser respeitados. De outro
lado, embora não se desconheça a proteção dada à intimidade, à vida
privada e à imagem, é necessário sopesar as circunstâncias do caso
concreto, de modo a não dar amparo a situações que desbordam do
escopo legal. Estes são os vetores a serem utilizados para que se
verifique se da conduta do réu incorreu em violação aos direitos
personalíssimos da autora.
Há que se analisar, então, a legitimidade ou não da
manifestação feita pelo requerido nas redes sociais. No caso em tela,
pertinente se verificar da idoneidade das informações passadas na
publicação e se a narrativa dos fatos ocorreu de forma
caluniosa/difamatória, bem como, se haveria abuso do direito de
informar/manifestar.
E, compulsando-se os autos, é de se constatar, por
evidente, que houve uma publicação despropositada e inverídica nas
redes sociais, por parte do requerido, que divulgou imagem de suposto
apartamento da autora, contendo teor político. Esse é o texto por ele
veiculado (fl. 3, Item 01 do Evento 1):
"Recebi agora de um amigo que é vizinho da Kelly NÉ Matos NÉ!
Fotos do apartamento dela na Rua João Abbott!! Que vergonha isso!
Entenderam porque a RBS anda lomba à baixo?
De fato, sem maiores explicações, e tratando com desprezo
a autora, a publicação da parte ré sugere que a requerente teria um
posicionamento político que afetasse o exercício de sua atividade
laboral, insinuando a parcialidade de seus atos e opiniões. Ou seja,
o post critica a autora e sua instituição de trabalho, divulgando
informações inverídicas que acarretaram insultos e ofensas
à demandante.
Como se não bastasse, o réu antes de realizar a publicação,
não se certificou acerca da veracidade do conteúdo e não ouviu a versão
da autora Kelly Matos, jornalista e com atividade profissional pública,
que padeceu com a difusão de conteúdo falso a seu respeito.
Ademais, ainda que a informação fosse verdadeira, não
caberia ao réu estilar nenhum comentário injurioso quanto à foto em
questão, pois manifestar posição política publicamente, numa sociedade
democrática, permanece sendo coisa lícita e não enseja nenhuma
suposição de falta de ética no exercício de atividade jornalística.
De qualquer sorte, a mera suposição, no caso, implicou em
dano para a autora, injustamente insultada por supostos atos
políticos, em grande prejuízo diante de uma publicação com tal teor e
que vem veiculada em um perfil de rede social de grande expressão.
É por isso que, além de ser necessária atenção para com a
verdade comunicada, deve existir um mínimo de
verificação/investigação quanto à acurácia e exatidão das informações
obtidas.
E, como o réu em contestação, afirmou não ter realizado
diligências mínimas acerca das informações difundidas e reconheceu a
inveracidade de seu discurso, fica caracterizada culpa por conduta
ilícita, com responsabilidade pelos danos que a notícia causou.
Portanto, a narrativa dos fatos formulada pela publicação
do réu em rede social, por não coincidir com a realidade, e por não ter
sido buscada a versão da autora sobre a imagem divulgada, resulta, sim,
caluniosa e injuriosa, implicando em abuso do direito de se manifestar
em virtude da difusão de ilações maliciosas.
Veja-se que pelos printscreens das fls. 4/6 da inicial da
autora fazem notar que a indevida divulgação dos fatos trouxe prejuízo à
requerente, incômodo e constrangimento decorrente do fato de ter sido
maculada pelo requerido. E, de nada servem para mitigar esse
desconforto os fatos laterais narrados pelo réu referentes a erro cometido
pela própria autora ao comentar publicamente eventos na esfera
criminal. Este processo se restringe à apuração da responsabilidade do
réu por conduta sua e não de outrem, bem como, do dano moral daí
decorrente.
Sobre o padecimento moral daí advindo disse a autora que,
além de ter sofrido inúmeros insultos de cunho ofensivo e danoso, teve
suas informações pessoais divulgadas sem autorização expressa,
trazendo-lhe dor, o que é crível, considerado o impacto de notícias falsas
em personagens públicos, como no caso da autora.
Diante disso, tenho que restou demonstrada a conduta
precipitada por parte do réu, pois há elementos de prova que conduzem
ao entendimento de que houve negligência e imprudência em expor nas
redes sociais o nome da autora, figura pública, sem que esta fosse
ouvido pessoalmente, configurando flagrante violação aos direitos
fundamentais da intimidade, da vida privada e da imagem, com
vinculação de seu nome à convicções político-partidárias.
Nessa linha, observe-se que o E. TJRS já assentou a
existência do dever indenizatório em casos semelhantes, conforme se vê
pela ementa abaixo:
Ementa: APELAÇÕES. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO
INDENIZATÓRIA. DANOS MATERIAIS E MORAIS. IMPUTAÇÃO
DE FATOS INVERÍDICOS E COMENTÁRIOS
OFENSIVOS. PUBLICAÇÃO DEPRECIATIVA EM REDE SOCIAL
(ORKUT E FACEBOOK). OFENSA. EXCESSO. DANO MORAL.
CARACTERIZAÇÃO. QUANTUM FIXADO QUE NÃO COMPORTA
REDUÇÃO. SENTENÇA MANTIDA. 1. Em se tratando de
responsabilidade subjetiva, necessária a comprovação do
preenchimento de todos os requisitos para que se reconheça o dever
de indenizar (art. 927, do CC). 2. No caso, entendo que restou
demonstrada a conduta ilícita dos demandados, que se utilizaram de
rede social na internet (Orkut e Facebook) para externarem as suas
opiniões e manifestações em razão da conduta dos autores em
relação ao episódio da morte de um felino. 3. Quantum indenizatório
fixado que não comporte redução, considerando as características
compensatória, pedagógica e punitiva da indenização. RECURSOS
DESPROVIDOS.(Apelação Cível, Nº 70074718412, Nona Câmara
Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Eduardo Kraemer, Julgado
em: 13-12-2017)
Em relação ao quantum devido, entendo que a quantia
pleiteada na exordial é justa, devendo ser aplicado o valor
correspondente a R$ 10.000,00, que é suficiente para aplacar a dor
moral sofrido, sem levar ao enriquecimento ilícito da parte. Tal valor
deve ser corrigido monetariamente desde a prolação da sentença e
acrescido de juros de mora, desde o evento danoso (publicação das
imagens na rede social). Este montante bem remunera a autora pelo
dano causado, atendendo ao caráter punitivo-pedagógico da cominação,
para que fatos dessa natureza não tornem a ocorrer.
Ante o exposto, julgo procedente o pedido deduzido na
presente ação indenizatória, proposta por KELLY MATOS
LUCRÉCIO em face de KELLY MATOS LUCRECIO para condenar
o demandado ao pagamento de R$ 10.000,00 (dez mil reais), a título de
indenização por danos morais sofridos, corrigidos pelo IPCA-E (que é o
indexador com caráter mais oficial e usado pelas Cortes Superiores), a
contar desta data, incidindo juros de mora de 12% ao ano, desde o
evento danoso.
Pela sucumbência, condeno o réu ao pagamento de custas
processuais e honorários advocatícios ao procurador da autora, que fixo
em 10% sobre o valor da condenação.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
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