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terça-feira, 5 de março de 2024
Cobertura da Terapia ABA pelo Plano de Saúde
Hoje em dia, a terapia (ou método) ABA — Applied Behavior Analysis, em inglês — é um dos modelos terapêuticos mais utilizados para o tratamento do transtorno do espectro autista (TEA) em crianças. É consenso entre os profissionais que realizam a terapia pelo método ABA, que quanto mais cedo a criança iniciar o tratamento melhor, pois as intervenções na primeira infância têm o potencial de produzir melhores resultados em virtude da neuroplasticidade do cérebro. Por outro lado, a demora no início do tratamento traz inúmeros prejuízos cognitivos e sensoriais que impactam drasticamente no desenvolvimento da criança autista. Dessa maneira, a ausência dos cuidados adequados reflete negativamente no convívio social da criança, especialmente no ambiente escolar, familiar e nos demais círculos sociais. Apesar de ser extremamente recomendada pelos profissionais da área em razão da sua eficácia, infelizmente é comum ver os planos de saúde se recusando a cobrir a terapia. Em alguns casos, a operadora até realiza a cobertura, mas limita o número de sessões ou a carga horária do tratamento, prejudicando assim o desenvolvimento da criança autista. Ou autoriza a realização do tratamento numa clínica muito longe da residência da família e com profissionais desqualificados.
E aí é que começa mais uma batalha dos pais atípicos. — especialmente das mães, que passam mais tempo com os filhos no dia a dia. Isso porque como se não bastassem os desafios do dia a dia que os pais atípicos têm, eles ainda precisam lidar com a recusa do plano de saúde em cobrir a terapia ABA mesmo com o pagamento das mensalidades em dia. Além de estresse e preocupação, a negativa do plano pode trazer inúmeros prejuízos financeiros. O custo de mercado para 1h de tratamento chega em média a R$ 250,00.
Considerando que em muitos casos a prescrição é para 30h semanais de terapia, o custo mensal do tratamento pode alcançar o valor de R$ 24.000,00, o que torna inviável a realização da terapia para a maioria das famílias. O SUS também pode realizar a cobertura da terapia ABA, mas na prática o atendimento acaba demorando muito, em razão da fila de espera. Ou seja, nenhuma das duas alternativas acaba sendo viável para os pais atípicos que têm plano de saúde realizar o tratamento dos seus filhos. Aliás, não faz sentido realizar o pagamento da terapia “por fora” quando as mensalidades do plano estão sendo pagas em dia. Realmente, a recusa do plano de saúde em cobrir a terapia ABA é, em regra, abusiva, considerando que os autistas têm inúmeros direitos assegurados pela lei, conforme eu vou te explicar mais adiante.
1 - Plano de Saúde deve cobrir integralmente terapia ABA
Os contratos de planos de saúde estão submetidos às regras da Constituição Federal, da Lei dos Planos de Saúde e do Código de Defesa do Consumidor, dentre outras leis.
Isso significa que por lidar com a saúde dos consumidores, as operadoras não podem inserir no contrato cláusulas abusivas ou realizar práticas que coloquem o beneficiário em extrema desvantagem.
Não podem também, sem justificativa idônea e com base na lei, deixar de realizar a cobertura de procedimentos para a proteção da saúde de seus beneficiários.
Afinal de contas, o contrato de plano de saúde tem por objetivo, obviamente, cuidar da saúde do beneficiário.
Dessa forma, em regra, os planos de saúde não podem se recusar a custear a terapia ABA aos seus beneficiários e dependentes. Essa conduta é considerada ilegal e abusiva pela Justiça.
A “justificativa” mais utilizada pelos planos de saúde para negar a cobertura é a falta de previsão no rol da ANS.
No entanto, essa alegação não é considerada válida pela maioria expressiva dos tribunais.
Pois em primeiro lugar, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) em julgamento recente (EREsp n. 1889704/SP) decidiu que a terapia ABA faz parte sim do rol da ANS, devendo ser coberta pelas operadoras de saúde.
Em segundo lugar, a Lei nº 14.454/22, já estabeleceu que o rol da ANS é exemplificativo, ou seja, na prática isso significa que os planos de saúde são obrigados a cobrir procedimentos e tratamentos que não estejam no rol, desde que sejam indicados como essenciais pelo médico responsável pelo acompanhamento do paciente.
Em terceiro lugar, a própria ANS editou a RN 539/22 e determinou o seguinte no art 3º:
Para a cobertura dos procedimentos que envolvam o tratamento/manejo dos beneficiários portadores de transtornos globais do desenvolvimento, incluindo o transtorno do espectro autista, a operadora deverá oferecer atendimento por prestador apto a executar o método ou técnica indicados pelo médico assistente para tratar a doença ou agravo do paciente.
Ou seja, a terapia ABA está no rol da ANS, mas mesmo que não estivesse, a operadora deveria cobrir o tratamento.
Portanto, isso significa que o plano de saúde não pode se recusar a cobrir a terapia ABA sob a alegação de que o tratamento não está no rol da ANS.
2 - Os planos de saúde não podem limitar as sessões da terapia ABA
Como mencionamos anteriormente, em alguns casos os planos de saúde até autorizam a realização da terapia ABA, mas limitam o número de sessões ou número de horas.
Por exemplo, como ocorreu num caso aqui do escritório: as crianças precisavam realizar 30h semanais de terapia ABA, além de 5 horas semanais de fonoaudiologia, 5 horas semanais de terapia ocupacional e 6 horas semanais de psicomotricidade.
Mas o plano de saúde autorizou apenas 20h semanais de psicologia.
Ou seja, o plano autorizou apenas a cobertura parcial.
Isso também é considerado como negativa ilegal e abusiva, pois prejudica a criança. Além disso, a ANS determinou na RN 541/2022 que os planos de saúde devem fornecer cobertura sem limitação de sessões.
Essa é outra informação muito importante, pois pode ser que o seu plano só autorize uma parte das sessões de terapia ABA, mas o que deve ser coberto é a totalidade da prescrição médica/psicológica.
Se a criança precisa de 30h semanais, o plano deverá cobrir 30h semanais.
Se ela precisa de 20h semanais, a cobertura deverá ser de 20h semanais.
E assim por diante…
Lembre-se disso: quem determina o número de sessões mais adequado para o seu filho é o médico e não o plano de saúde.
3 - Em casos de urgência e emergência o plano de saúde não pode se recusar a cobrir a terapia ABA alegando período de carência
Outra prática abusiva dos planos de saúde é a recusa da cobertura da terapia ABA, sob a justificativa de que o beneficiário está dentro do período de carência previsto no contrato.
A lógica é a seguinte: se o plano está dentro do período de carência, o atendimento é negado.
Entretanto, a Lei dos Planos de Saúde estabelece que em situações de urgência ou emergência, o prazo de carência não pode ultrapassar 24 (horas) contados da assinatura do contrato com a operadora de saúde.
E aqui é muito importante você ficar atento. Lembra-se de que dissemos no começo deste artigo que a terapia ABA deve ser realizada o mais breve possível, principalmente nos primeiros anos de vida da criança em razão da maior neuroplasticidade e que o atraso no tratamento pode gerar danos irreversíveis?
Por causa disso, geralmente, a terapia ABA é indicada pelos profissionais em caráter de urgência ou emergência.
Dessa forma, após 24h da assinatura do contrato, em casos urgentes a operadora não pode alegar carência para negar a cobertura da terapia ABA.
Outro ponto importante: o relatório médico que prescreve o tratamento com a terapia ABA precisará ter descrever especificamente a situação de emergência, e inclusive quais os prejuízos a criança poderá sofrer, no caso concreto, se não iniciar imediatamente as sessões.
4 - Você precisa saber que pode escolher a clínica de sua preferência para a realização da terapia ABA se o plano de saúde não tiver clínicas credenciadas e qualificadas para a realização do tratamento
Já falamos sobre o direito à terapia, sobre a quantidade de sessões e sobre o período de carência.
Mas agora vamos tratar sobre o lugar onde a criança receberá o tratamento.
Aliás, esse é um dos pontos mais importantes.
Porque na prática, no dia a dia, não basta encontrar uma clínica que tenha profissionais que realizam a terapia ABA, pois em muitas situações as crianças não se adaptam logo de início com o tratamento e com os profissionais que realizarão a terapêutica.
Bom, você precisa saber que a ANS e a legislação estabelecem o seguinte: o plano de saúde deve dispor de uma rede de clínicas credenciadas e que forneçam o atendimento com a terapia ABA.
É obrigação do plano.
Mas, caso a operadora não tenha uma rede credenciada, ou se os prestadores credenciados não sejam qualificados para fazer o tratamento, o beneficiário poderá escolher uma clínica de sua preferência e solicitar o reembolso das sessões junto ao plano.
E é importante dizer: nessa situação não há limitação de valor para o reembolso.
Se o plano tiver clínicas credenciadas o beneficiário pode escolher qualquer uma delas, ou se quiser uma de sua preferência que não seja credenciada, poderá pedir o reembolso das despesas, mas nessa situação, diferentemente da que explicamos acima, o reembolso será limitado aos limites do contrato.
5 - É direito do beneficiário receber o tratamento numa clínica credenciada pelo plano que seja próxima de sua residência
Outra prática abusiva das operadoras de planos de saúde é autorizar a cobertura da terapia ABA, mas em clínicas muito distantes da residência do beneficiário.
O entendimento da Justiça é de que a operadora deve disponibilizar uma clínica credenciada para o tratamento em local próximo à residência do beneficiário.
E se isso não for feito, o beneficiário poderá escolher uma clínica de sua preferência, mediante o reembolso integral por parte da operadora de plano de saúde.
Vamos ver uma decisão sobre este tema no Tribunal de Justiça de São Paulo:
Plano de saúde. Ação de obrigação de fazer. Autora portadora de "Transtorno do Espectro Autista". Indicação de tratamento multidisciplinar pelo método ABA, PECS e Integração Sensorial. Sentença de procedência, determinando o custeio dos tratamentos prescritos em clínicas da rede credenciada da ré ou em clínicas particulares mediante reembolso das quantias pagas na forma do contrato. Irresignação da autora. Acolhimento. Ré não comprovou ter em sua rede credenciada clínicas e profissionais com a especialidade que a prescrição médica indica. Devida cobertura integral de despesas havidas fora da rede credenciada até comprovação da existência de profissionais especializados aptos ao atendimento da menor dentro das condições impostas e em clínica localizada em um raio de 10 km do domicílio da autora, em cumprimento de sentença. Recurso provido.
(TJSP; Apelação Cível 1086644-85.2021.8.26.0100; Relator (a): Alexandre Marcondes; Órgão Julgador: 1ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 38ª Vara Cível; Data do Julgamento: 28/07/2023; Data de Registro: 28/07/2023)
6 - Como conseguir a cobertura da terapia ABA pelo plano de saúde
O primeiro passo é solicitar a cobertura diretamente ao plano de saúde.
O documento mais importante para embasar o pedido para a operadora é o laudo/relatório médico elaborado pelo profissional que acompanha a criança, geralmente o neurologista.
O laudo deverá conter:
A condição atual detalhada da criança e a prescrição do tratamento pelo método ABA com tudo o que for necessário para a realização da terapia, como por exemplo sessões de fonoaudiologia, psicologia, psicomotricidade, etc.
A carga horária de cada uma das sessões.
indicação do médico sobre urgência no início do tratamento e quais as consequências que a criança sofrerá caso não inicie a terapia o mais breve possível.
Com este documento, você pode requerer ao plano de saúde que custeie o tratamento junto a alguma das clínicas credenciadas pela operadora.
Normalmente, a própria clínica escolhida pelos pais faz a solicitação à operadora.
Mas, se quiser, pode solicitar diretamente à operadora por e-mail ou telefone.
Eu sempre recomendo o envio das solicitações à operadora por e-mail, pois assim fica mais fácil de monitorar o andamento, especialmente porque em casos de urgência e emergência o plano tem que responder em 24h.
Aqui vai um modelo de e-mail caso você queira enviar o pedido diretamente à operadora:
Prezados, bom dia.
Eu, Fulano de Tal, CPF: e carteirinha nº 00000000, conforme a prescrição médica anexa, solicito no prazo de 24h a autorização e o custeio da realização do tratamento do transtorno do espectro autista do meu filho (a), Sicrano de Tal, CPF nº, carteirinha nº 000000, pelo método ABA, com as seguintes sessões (indicar quais sessões serão necessárias e qual a carga horária).
A terapia ABA é essencial para o tratamento do meu filho (a) e foi prescrita pelo Dr. (médico e CRM). Minha solicitação está amparada pelos artigos 10, caput e 35-F da Lei nº 9.656/98.
Portanto, aguardo a autorização da realização e custeio do tratamento urgentemente.
Obrigado.
Atenciosamente,
Fulano de Tal
Caso o plano de saúde não responda ao pedido, negue a solicitação ou autorize apenas uma cobertura parcial, é possível entrar na justiça para obrigar a operadora a custear de maneira integral o tratamento com a terapia ABA.
Aqui vão algumas dicas para aumentar a chance de êxito no pedido judicial:
Em primeiro lugar, novamente, o relatório/laudo médico atualizado deverá ser juntado (anexado) com o pedido que irá ao juiz.
O mesmo relatório enviado com o pedido à operadora pode ser utilizado para o pedido judicial, desde que esteja atualizado.
Este documento é o mais importante.
Depois, será necessário providenciar a recusa do plano de saúde em custear a terapia ABA, ou a limitação das sessões. Preferencialmente, a recusa deve estar por escrito. E-mail, print do aplicativo do plano ou no whatsapp servem, por exemplo.
Mas se você não tiver por escrito e a recusa tiver sido por telefone, deverá anotar os protocolos das ligações e indicar quando houve a negativa do plano.
Outros documentos importantes são:
a carteirinha do beneficiário e do dependente,
3 comprovantes de pagamento do plano.
contrato com o plano de saúde (é possível pedir à operadora por meio de notificação extrajudicial ou na mesma ação em que será feito o pedido para a cobertura da terapia)
documentos pessoais do beneficiário (RG, CNH) e do dependente (RG, certidão de nascimento).
Com esses documentos, é possível fazer um pedido liminar ao juiz para que o plano de saúde urgentemente autorize e custeie a cobertura integral da realização da terapia ABA a criança autista.
A liminar é uma decisão mais rápida em que os juízes antes mesmo de avaliar a defesa da operadora autorizam a realização da terapia ABA pelo plano.
Para conseguir a liminar, é preciso comprovar 2 requisitos:
probabilidade do direito pleiteado — justamente o que demonstramos neste artigo, ou seja, que o plano de saúde tem o dever legal de cobrir a terapia ABA
risco de dano irreparável ou de difícil reparação caso o tratamento não inicie imediatamente — o relatório médico detalhado, como explicamos acima, servirá para preencher este requisito.
Com o preenchimento dos requisitos o juiz determinará que o plano de saúde forneça com urgência (geralmente 1 a 5 dias) a cobertura para a terapia ABA à criança autista, e caso o plano se negue, arbitrará uma multa diária contra ele.
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