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sexta-feira, 6 de dezembro de 2024
Cemitérios de SP são privatizados, retomam túmulos e os revendem por até R$ 150 mil
Segundo a SP Regula, agência que fiscaliza o serviço prestado pelas concessionárias
que operam desde março de 2023 os 22 cemitérios públicos municipais, 566 jazigos já
foram retomados.
Isso acontece porque, pelas novas regras, famílias que mantêm túmulos nesses
cemitérios podem perder o direito de usá-los se deixarem de pagar uma taxa anual —
que não existia antes e será cobrada— ou se não realizarem a conservação exigida.
O problema é que essas obrigações de manutenção não estão claras nos contratos de
concessão estabelecidos com a prefeitura. Não se determinou, por exemplo, o que é
"abandono por falta de limpeza".
Túmulos considerados abandonados —alguns ocupados pelas mesmas famílias há
mais de 150 anos— estão sendo revendidos por até R$ 150 mil no cemitério do Araçá,
conforme a localização e tipo de benfeitoria, independentemente da tabela oficial de
repasse.
Levantamento indica que os direitos sobre mais de 17,5 mil
sepulturas de uso particular, pelo menos, estão em risco. Isso representa 14% do
total. São 3.000 nessa condição, apenas no cemitério do Araçá.
A comunicação também abre brecha para falhas: o alerta sobre futuras
"desapropriações" é feito geralmente por meio de adesivos grudados nos túmulos ou
por notas no Diário Oficial do Município, que poucos leem.
O advogado Adib Kassouf Sad, professor de direito administrativo, destaca que os
usuários devem ter ciência do risco que correm.
"Isso não se faz apenas por Diário Oficial. As pessoas devem ser contatadas pelas
concessionárias, até para que possam apresentar suas defesas", explica.
A concessionária ressaltou que fez publicações em jornais de grande circulação, em três
datas distintas, e colou aviso no próprio túmulo.
"Esgotado o tempo de resposta e cumpridas todas as etapas exigidas no processo, o
terreno foi retomado", escreveu.
O debate sobre a gestão privada dos cemitérios da capital foi parar no STF. Em 24 de
novembro, o ministro Flávio Dino determinou que as concessionárias voltassem a
praticar os preços válidos antes da privatização.
A prefeitura recorreu e uma audiência de conciliação foi realizada na quinta (5), em
Brasília, com a presença de representantes também da Câmara Municipal e do Tribunal
de Contas do Município.
Não houve acordo e uma nova reunião foi agendada para o dia 17 na sede da SP
Regula, em São Paulo.
O valor estipulado para a anuidade depende do tamanho do terreno e da localização do
cemitério.
Os mais afastados do centro, como o de Parelheiros, poderão cobrar taxas simbólicas,
de R$ 4,66 pelo m². Já na Vila Mariana e na Consolação, o preço partirá de R$ 209,05.
Como as construções têm em média 2,30 m x 2,30 m, o preço pode passar dos R$
1.000 por ano.
"Fomos chamados para atualizar a cessão do jazigo, que fica no cemitério Quarta
Parada [na zona leste], e pagamos taxa de recadastramento. Nosso boleto foi de R$
769,30. Mas isso paga só a manutenção das áreas comuns e não da campa [sepultura],
o que achamos absurdo", diz Heloisa Maria Gomes, cuja família mantém um túmulo no
local desde a década de 1960.
A cobrança foi suspensa em seguida pela prefeitura. Ela será retomada quando a
concessionária responsável, que também é a Consolare, comprovar ter realizado todas
as melhorias previstas em contrato.
O mesmo vale para os demais 21 cemitérios municipais privatizados.
Sobre os casos de abandono, a prefeitura ainda não estipulou quais os parâmetros
dessas avaliações.
O texto do contrato diz apenas que "serão consideradas em abandono ou ruína as
sepulturas nas quais a concessionária julgue necessária a realização de serviços de
limpeza interna ou de obras de conservação e reparação".
Os critérios são, portanto, subjetivos.
"Levamos em consideração questões de insalubridade que demandam a realização de
serviços de limpeza interna, como surgimento de fungos, mofo e outras pragas, além de
infiltrações ou acúmulo de resíduos", afirmou a Velar, por meio de nota.
Para seguir com a "desapropriação", a concessionária precisa abrir um prazo legal de
seis meses antes de dar como extinta a cessão.
Se, após esse período, o responsável não solucionar as irregularidades listadas, o
jazigo é retomado e os restos mortais são exumados de forma sumária nos 30 dias
seguintes.
A Velar, por exemplo, informou que quatro famílias atendidas por ela já fizeram essa
opção. Neste caso, paga-se 30% pelo valor do terreno.
Assim como nos demais serviços funerários, como sepultamentos, cremação e velórios,
a cessão de um jazigo também ficou mais cara.
A maior alta se deu no chamado grupo 2, formado pelos cemitérios da Freguesia do Ó,
Santana, Santo Amaro, Penha, Campo Grande e Tremembé.
Nesses locais, o metro quadrado apenas do terreno passou de R$ 3.031,87 para R$
4.886,80 —alta de 61%.
O maior preço, no entanto, está nos cemitérios mais bem localizados —como Araçá e
Consolação, na região central; Vila Mariana, na zona sul; e São Paulo, na zona oeste—,
onde o valor do metro quadrado aumentou 43%, chegando a R$ R$ 7.330,20.
Túmulo com indicação de abandono no cemitério do Araçá
Mas os preços oficiais nem sempre são cumpridos. A reportagem recebeu em 28 de
novembro proposta de R$ 150 mil para a compra de um jazigo em granito com oito
gavetas e dois ossários no cemitério do Araçá.
Pela tabela, a área de 5,30 m² deveria custar R$ 38.776,75. Já a construção, que não é
tabelada, sairia por até R$ 35 mil. Ou seja: metade do preço praticado.
A Cortel SP, responsável pelo Araçá, não explicou como define os preços praticados
nem os critérios utilizados para definir o que é abandono.
"Temos intensificado campanhas e contatos, via publicações em edital e notificações por
carta registrada, para que os responsáveis regularizem a situação dos jazigos", afirmou
a Cortel SP, por meio de nota.
No cemitério Quarta Parada, há 30 "túmulos usados" à venda pela concessionária,
segundo o site da Consolare.
Os preços do terreno construído partem de R$ 65 mil e dependem da qualidade da
reforma e da localização, segundo apurou a reportagem. O valor é o mesmo praticado
no cemitério da Vila Mariana.
Já no cemitério da Lapa, na zona leste, o Grupo Maya oferece opções de terreno a
partir de R$ 22 mil. A compra, neste caso, é atrelada a um "pacote preventivo", que
funciona como uma espécie de "plano funerário" e é pago em até 48 vezes.
Em cemitérios públicos, os terrenos não são de propriedade dos usuários —nem das
concessionárias. Eles continuam sendo públicos, de propriedade da prefeitura. O que
existe são cessões ou outorgas por tempo indeterminado.
Paga-se um valor para obter o direito à ocupação de jazigos, mas essa cessão paga
pode ser revogada a qualquer momento mediante o descumprimento de critérios
estabelecidos e a instauração de um processo administrativo.
"As famílias têm um sentimento de posse sobre os jazigos, mas essa relação não
existe", explica Carlos Ari Sundfeld, professor de direito público da FGV.
Os critérios citados para a extinção do acordo de cessão a
particulares devem ser claros e objetivos, ressalta Sad professor de direito administrativo
O contrato não estabelece, por exemplo, qual é a periodicidade
exigida para a limpeza. Ela deve ser semanal, mensal, anual?
Sem isso não há como o usuário se programar para evitar a perda do jazigo.
"É preciso descrever todas as condições, ainda mais quando se lida com a história das
pessoas. Os jazigos guardam bens imateriais e não podem virar um comércio paralelo."
A Promotoria de Justiça dos Direitos Humanos da Capital instaurou inquérito civil para
apurar possíveis excessos e violações de direitos na prestação do serviço funerário
após a concessão à iniciativa privada.
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