sábado, 28 de junho de 2025

BRF é condenada a pagar R$ 150 mil por negar assistência a funcionária em trabalho de parto em que bebês gêmeos morreram

A 2ª Vara da Justiça do Trabalho de Lucas do Rio Verde (MT), a 360 km de Cuiabá, condenou a empresa de alimentos BRF —dona das marcas Sadia e Perdigão— a pagar R$ 150 mil de indenização por danos morais a uma funcionária que perdeu as filhas gêmeas após entrar em trabalho de parto em um frigorífico. O juiz Fernando Galisteu entendeu que houve omissão e negligência da multinacional, após o processo indicar que o supervisor da trabalhadora —uma imigrante venezuelana— teria impedido que ela deixasse o posto para não atrapalhar o funcionamento da linha de produção. A BRF, que recorreu da decisão, afirma que não comenta processos judiciais em andamento, mas criou um comitê multidisciplinar para apurar o caso. "A BRF informa que possui uma política de apoio a gestantes, com um programa implementado desde 2017, que oferece suporte às mães em todas as fase da gestação. De adesão voluntária das colaboradoras e com uma equipe técnica dedicada, a iniciativa acompanhou, apenas no último ano, 2.200 colaboradoras", afirmou à Folha. A Justiça reconheceu ainda a rescisão indireta do contrato de trabalho, situação na qual o trabalhador "demite" o empregador, garantindo a ela verbas rescisórias como aviso-prévio indenizado, 13º salário, férias, acesso ao saldo do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) com multa de 40% sobre o valor e seguro-desemprego. O caso ocorreu em abril de 2024. Segundo o processo, a trabalhadora, com oito meses de gestação de gêmeas, começou a sentir-se mal por volta das 3h40, no início de sua jornada, com dores, náuseas, tontura e falta de ar. O relato indica que ela teria pedido socorro inúmeras vezes à líder imediata e ao supervisor, que a manteve no local devido à dinâmica da linha de produção. Segundo o MPT (Ministério Público do Trabalho), que representou a imigrante, com o agravamento do quadro, ela teria feito novo pedido de socorro, que foi negado. Sem conseguir esperar mais, deixou o setor e deu à luz a primeira filha por volta das 6h40, no ponto de ônibus onde esperava uma condução para ir ao médico. A bebê morreu em seguida. Minutos depois, o mesmo ocorreu com a segunda gêmea. Em sua defesa, a empresa afirmou no processo que o parto teria ocorrido fora de suas instalações e disse que a trabalhadora recusou atendimento no setor médico do frigorífico, defendendo que a negligência seria da venezuelana. Gravações de câmeras internas apresentadas pela própria defesa, no entanto, mostraram que o parto ocorreu nas dependências do frigorífico. Testemunhas da defesa disseram que a gestante não teve acesso ao SESMT (Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho), previsto em norma interna da empresa. O enfermeiro responsável pela área médica confirmou que o protocolo de atendimento não foi seguido e a técnica de saúde no local afirmou que não recebeu nenhuma ligação informando sobre a situação. Para o juiz, houve tempo suficiente para o socorro, o que o levou à conclusão de que houve "ofensa de natureza gravíssima, com intensidade de sofrimento e humilhação inegáveis". Ao fixar a indenização em R$ 150 mil, foram considerados a exposição da trabalhadora a sofrimento físico e emocional extremo em local público, à vista de colegas, e a ampla repercussão do caso na imprensa. O juiz da causa citou, em sua decisão, a Constituição Federal e tratados internacionais da OIT (Organização Internacional do Trabalho), destacando que as normas relativas à saúde e segurança no trabalho são de ordem pública, de observância indispensável e com prioridade absoluta. A sentença aplicou ainda as diretrizes do Protocolo para Julgamento com Perspectiva Antidiscriminatória, Interseccional e Inclusiva, elaborado pelo TST (Tribunal Superior do Trabalho). O juiz ressaltou que a autora da ação é imigrante, mulher e gestante, reunindo camadas de vulnerabilidade que exigem maior diligência do empregador. A empresa recorreu ao próprio TRT e aguarda decisão.

Nenhum comentário:

Postar um comentário