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quinta-feira, 9 de novembro de 2023
Hapvida é condenada após negar quimioterapia a homem com câncer raro
Mesmo com uma sentença judicial, o plano de saúde Hapvida NotreDame Intermédica vem negando
a um paciente com um câncer raro a realização de quimioterapia no Hospital Oswaldo Cruz, em São
Paulo, onde ele tem cobertura, passou por cirurgia e iniciou o tratamento.
Procurada, a Hapvida diz que está cumprindo a decisão judicial, o que o paciente nega.
O advogado Rafael de Sá Belchior, 36, foi diagnosticado em dezembro do ano passado com
um tumor no rim que se espalhou para o fígado. Os médicos que diagnosticaram o tumor raro —
conhecido como sarcoma de Ewing de partes moles— recomendaram ao paciente que utilizasse o
convênio médico para se tratar no Hospital Oswaldo Cruz, referência em tratamento de tumores
raros. Ele atinge um a cada 2 milhões de pacientes com câncer. Na região que tive, só tem registrado
260 casos no mundo, segundo meu urologista.
Belchior passou por cirurgia no Oswaldo Cruz em janeiro, quando os
médicos recomendaram 14 ciclos de quimioterapia. Os dois primeiros
ocorreram sem problemas. No terceiro ciclo, porém, a Hapvida emitiu a guia de
autorização, mas não pagou o hospital, segundo o paciente. "[O Oswaldo Cruz]
me cobrou a quimio e três doses de uma injeção que preciso tomar toda a vez
que a imunidade cai".
Depois da quimio, Belchior costuma sentir neutropenia febril: uma febre
alta causada pela redução dos neutrófilos, as principais defesas do corpo contra
as infecções bacterianas e por fungo. Após duas internações por neutropenia febril, a equipe médica
indicou uso de antibiótico preventivo e injeções que estimulam a medula a produzir a defesa do corpo
após a quimio.
Em abril, o plano voltou a negar quimio no Oswaldo Cruz. "Eles queriam que eu fizesse o
tratamento na rede própria da Hapvida, mas quero continuar no Oswaldo Cruz porque tenho
cobertura, é referência em tratamento de tumores raros, inclusive para o meu tipo de câncer, e tem
um centro especializado em oncologia, com assistência diária da equipe médica."
Diante da negativa, Belchior procurou a Justiça em maio. No mesmo mês, uma juíza concedeu
liminar (decisão provisória) obrigando a Hapvida a bancar todo o tratamento no Oswaldo Cruz,
incluindo medicação, internações e procedimentos por complicações da quimio.
O plano recorreu da liminar e perdeu. Em agosto, a liminar virou sentença. A Hapvida recorreu e
aguarda novo julgamento.
Pedi as injeções para a Hapvida, que negou. Como não pagam, passei a gastar R$ 400 por mês,
em média, com as injeções.
Mesmo com a liminar, a Hapvida negou a quimio de junho. "A Hapvida recebeu o pedido,
deixou em análise até outubro, quando negaram oficialmente. Só soube disso porque recebi a nota
de cobrança do hospital", diz o paciente.
Advogado especializado em saúde, Rafael Robba (Vilhena Silva Advogados), diz que a
liminar já obrigava a operadora "a cumprir a decisão". "Ela não pode dizer que não vai cumprir
porque quer aguardar o trânsito em julgado [quando acaba a possibilidade de recorrer]", explica o
advogado. Como a liminar foi confirmada em sentença de primeira instância, o especialista explica
que essa obrigação da operadora é reforçada.
Em julho, depois de esperar por mais de 11 horas pela autorização, Belchior diz que pagou
uma "caução de R$ 15 mil ao hospital para o ciclo de quimio".
"Hapvida me procurou após vídeo viralizar"
Após nova negativa para a quimioterapia de setembro, diz Belchior, ele compartilhou um
vídeo que viralizou em uma rede social. "Faltando 20 horas para a minha internação, o convênio
ofereceu R$ 39,3 mil para cobrir a quimio daquele mês", diz. "Mas precisei de duas transfusões de
plaquetas, que somadas me custaram mais de R$ 12 mil porque não pagaram."
"O tratamento foi oferecido desde o início em nossa rede própria, com todo suporte para o
seu quadro clínico", diz a Hapvida em nota. Apesar da dívida de Belchior, a empresa afirma que
"tem arcado com os custos" do tratamento no Oswaldo Cruz "após acerto com o paciente e seu
advogado, e em cumprimento à ordem judicial".
Como houve recurso, o Tribunal de Justiça pode ou não reformar a sentença, mas até lá a atual
decisão continua vigente: a operadora tem obrigação de cumprir
Em agosto, tive queda de plaquetas e precisei passar na emergência. Mesmo com a decisão
judicial, a internação foi negada e precisei pagar R$ 2.900 porque poderia morrer
Descontando o que já paguei e o que me depositaram, estou devendo cerca de R$ 96 mil. Passo
tudo no cartão com ajuda da família. Desde que fui afastado pelo INSS, minha renda caiu muito e,
sem ajuda, a conta não fecha.
"Um dos diferenciais da companhia é o atendimento integrado em sua rede própria, onde é
possível garantir segurança da qualidade assistencial, acompanhamento mais assertivo dos
resultados e contato mais próximo com os pacientes", diz a Hapvida.
"Tentou me tirar à força do hospital"
No fim de outubro, sua médica pediu ao convênio autorização para internar Belchior "sob
risco de óbito". O convênio negou, mas o advogado se internou mesmo assim. Já no Oswaldo
Cruz, "a Hapvida mandou uma ambulância para me transferir à força para um hospital próprio", diz.
"A equipe subiu até o andar e só não invadiu o quarto porque os enfermeiros não deixaram",
afirma Belchior. "Precisei chamar a polícia. Quando ela chegou, minha esposa ligou a câmera do
celular e a policial perguntou: 'Vocês vieram pegar o Rafael?', e eles foram embora na hora. Abri um
boletim de ocorrência na PM e na Polícia Civil."
"Sou casado, tenho uma filha de 2 anos completados em outubro", diz. "A minha briga é por
elas, pela minha mãe que já perdeu meu pai para o câncer. Eu preciso lutar para viver porque não
posso deixá-las."O tratamento já é pesado e mesmo assim tenho de lidar com o plano. Só quero que eles
cumpram o direito reconhecido pela Justiça para que eu consiga ter um pouco de paz na minha luta
pela vida. Que eu só lute contra a doença e não contra um plano de saúde também."
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