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sexta-feira, 3 de novembro de 2023
Uber pode usar tecnologia para prever tendências da Justiça, decide juíza
A Justiça do Trabalho em Minas Gerais autorizou a Uber a usar tecnologias de
análise do comportamento do Judiciário para decidir se propõe ou não acordos em
processos judiciais em que motoristas alegam vínculo de emprego.
Em sentença de 23 de outubro, a juíza Sandra Leidecker, da 32ª Vara do Trabalho de
Belo Horizonte, decidiu que o uso das chamadas tecnologias de jurimetria não é
"manipulação de jurisprudência", como alegava o MPT (Ministério Público do
Trabalho) em ação civil pública de junho deste ano.
O Ministério Público do Trabalho pedia R$ 1 milhão de indenização por danos morais
trabalhistas coletivos. Em nota, o MPT informou que vai recorrer da decisão.
Na ação, o MPT acusava a Uber de usar algoritmos para mapear o comportamento
de juízes do Trabalho. O objetivo seria evitar que derrotas em ações sobre o
reconhecimento de vínculo empregatício de motoristas se tornassem jurisprudência
desfavorável.
Essa tecnologia é chamada de "jurimetria". É a combinação entre análise estatística
feita por algoritmos e análise jurisprudencial feita a partir de decisões judiciais.
Estudo feito pelo MPT em 2022 detectou 350 acordos sobre reconhecimento de
vínculo de emprego envolvendo oito aplicativos em que havia indícios de
manipulação. Desse total, 133 acordos eram da Uber, e 131, da 99, conforme
reportagem da Bloomberg Línea.
De acordo com o MPT, o uso que a Uber faz da jurimetria "viola a boa-fé
processual" porque impede a "pacificação, uniformidade e estabilidade da
jurisprudência". A empresa, dizem os procuradores, analisa o comportamento das
turmas julgadoras e propõe acordos aos motoristas apenas nos casos em que a
chance de sair derrotada é alta.
Para a ação civil pública, o MPT analisou 1.009 processos sobre vínculo de
emprego em que a Uber é parte no Tribunal Regional do Trabalho de Minas. A
empresa propôs acordo em 70% das ações. Só que, nas turmas em que havia mais
decisões desfavoráveis, o índice de acordos foi de 96,25%, enquanto só 3,75% dos
casos foram a julgamento.
Para a juíza Sandra Leidecker, entretanto, os números e o uso da tecnologia não
mostram "manipulação de jurisprudência". Mostram estratégia "prudente e aceitável"
de ponderação dos riscos envolvidos na continuidade dos processos, "considerando
os gastos de amplo espectro envolvidos, seja com advogados, deslocamentos,
tributos, condenação ou execução, o que sequer resvala na alegada manipulação
que sustenta a tese inicial".
A magistrada disse ainda que a tese do MP do Trabalho coloca o juiz na posição de
"mero e pacífico espectador da relação processual", em vez de "promotor e
garantidor da justiça".
Ora, independente da matéria em discussão, o fato de se ter maior ou menor
chance de se obter procedência ou improcedência de um pleito, sopesado o custo
que se teria ao propor um acordo e resolver o conflito, não se mostra ilícito, mas
prudente. Os operadores do direito não só podem, como devem, avaliar as chances
de êxito para, assim, sugerir a melhor estratégia. Tanto as partes quanto o julgador,
conhecendo a jurisprudência, são racionalmente estimulados à composição do
conflito
Já o MPT disse que vai recorrer da decisão e
"mantém o entendimento de que a Uber se utiliza da jurimetria em abuso de direito
para propor acordos com o objetivo de manipular a jurisprudência a seu favor".
O órgão informou ainda que sete tribunais, inclusive o de Minas, já "reconheceram a
conduta abusiva" no uso de jurimetria pela Uber.
O MPT cita também um processo no TST (Tribunal Superior do Trabalho) em que
foi reconhecido o vínculo empregatício entre a Uber Eats, de entrega de comida.
A decisão comprova que a tese interpretativa do MPT não se sustenta quando
confrontada com a realidade dos fatos, pois se vale de alguns supostos casos nos
quais houve tentativa de conciliação por concordância mútua das partes, ignorando
completamente que a maioria dos milhares de processos envolvendo a Uber no
Brasil são concluídos com o julgamento de mérito
O reconhecimento do vínculo de emprego entre motoristas e aplicativos é hoje a
principal contenda judicial em que essas empresas estão envolvidas. Caso a Justiça
mande os apps registrarem os motoristas como empregados, elas deverão arcar com
todos os custos de uma folha de pagamento, como 13º salário, férias, Fundo de
Garantia etc.
Na nota, a Uber disse haver 6.100 decisões judiciais contra o
reconhecimento do vínculo empregatício, entre as quais dez do TST.
Mas há pelo menos três decisões do TST reconhecendo o vínculo de emprego
entre motoristas e a Uber. Um desses casos já foi levado ao STF (Supremo Tribunal
Federal), que discutirá a questão sob o ponto de vista constitucional.
Em julho, o ministro Alexandre de Moraes, do STF, cassou uma decisão da Justiça
do Trabalho em São Paulo que reconhecia a relação de emprego, mas o caso ainda
não foi julgado pelo Plenário.
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