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sexta-feira, 7 de junho de 2024
Hotel Urbano é condenado a reembolsar consumidores em até 48 h: Sentença integral
Esse foi o entendimento do juiz Paulo Assed Estefan, da 4ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro, para deferir liminar que ordena que a Hurb Technologies S.A — conhecida comercialmente como Hotel Urbano — reembolse consumidores que assim desejarem em até 48 horas, sob pena de multa de R$ 10 mil por cada infração verificada.
Na mesma decisão, o magistrado também determinou que a empresa deve cumprir as ofertas comercializadas, observando as datas opcionais fornecidas pelo comprador de modo que seja efetivamente cumprido o serviço turístico contratado para os consumidores que não desistiram dos pacotes de viagem contratados. A decisão foi provocada por ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Rio de Janeiro.
A Hurb também é alvo de procedimento administrativo instaurado pela Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) após não entregar milhares de pacotes contratados. Ela teve a venda de pacotes flexíveis suspensa pelo órgão em abril deste ano, assim como um termo de Ajuste de Conduta que estava sendo negociado.
Ao decidir, o juiz também negou pedido da empresa para que sejam aplicadas aos casos as regras aprovadas para auxiliar o setor do turismo durante a crise sanitária provocada pelo avanço da Covid-19 no país.
“Com efeito, a legislação propiciou às empresas de turismo uma facilidade maior para lidar com os problemas relativos aos cancelamentos e que lhes vinham causando grande impacto econômico-financeiro. Contudo, não é por isso que sua aplicabilidade deve ser ampliada. Longe disso, se a relação jurídica de consumo já estava estabelecida, há de ser considerada como ato jurídico perfeito e, por isso mesmo, imune às alterações legislativas posteriores”, registrou.
Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro
Comarca da Capital
4ª Vara Empresarial da Comarca da Capital
Palácio da Justiça, Avenida Erasmo Braga 115, Centro, RIO DE JANEIRO - RJ - CEP: 20020-903
DECISÃO
Processo: 0854669-59.2023.8.19.0001
Classe: AÇÃO CIVIL PÚBLICA (65)
AUTOR: INSTITUTO BRASILEIRO DE CIDADANIA
RÉU: HURB TECHNOLOGIES S.A.
1- Cuida-se de Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público e autuada sob o número 0871577-31.2022.8.19.0001
em face de HURB TECNOLOGIES S.A. sob o argumento de má prestação de serviços a inúmeros consumidores.
Relata a inicial, aqui em apertada síntese, que a requerida atua no ramo de turismo ofertando ao público passagens
aéreas e pacotes de viagens. Acontece que diversos dos negócios realizados não foram por ela honrados, seja pela
apresentação de dificuldades para marcação de data para a viagem contratada, seja pela irregularidade em casos de
solicitação de reembolso.
Pede, então, seja a requerida obrigada a realizar os reembolsos conforme a regra legal vigente à época do pagamento
feito pelo consumidor, inadmitida a retroatividade da lei civil. Pede, também, seja a ré obrigada a cumprir com o trato
com relação a quem não desistiu da viagem, além de recomposição de danos morais e materiais.
A inicial está no índice 39703685, com documentos.
Decisão no id.45062049 postergando a análise da tutela de urgência para depois da resposta da requerida.
Contestação no índice 51428951 com preliminares de ausência de interesse processual e da inépcia da petição inicial.
Sustenta, ainda, a necessidade de suspensão do feito até decisão a ser proferia em procedimento administrativo
instaurado no âmbito do SENACON. No mérito, alega que cumpre fielmente seus deveres para com os consumidores e
defende a aplicabilidade das alterações legislativas a todos os negócios turísticos realizados, independentemente da
data de efetivação. Foram juntados documentos.
Réplica no id.56860322. Em seguida, o Ministério Público junta diversos documentos que indica serem comprobatórios
dos fatos narrados na inicial.
Instada a se manifestar, a requerida apresentou a petição do id.62515886 e o MP voltou a se manifestar (id.71914732).
Ambas a intervenções com juntada de documentos.
Novas manifestações do órgão ministerial a partir do índice 100214616 com juntada de documentos.
Diversos pedidos de habilitação vieram aos autos por consumidores.
Em tramitação conjunta está a Ação Civil Pública nº 0854669-59.2023.8.19.0001 proposta por INSTITUTO BRASILEIRO
Num. 122561830 - Pág. 1 Assinado eletronicamente por: PAULO ASSED ESTEFAN - 04/06/2024 16:12:25
DE CIDADANIA em face da mesma HURB TECNOLOGIES S.A. A inicial narra fatos semelhantes e reclama
recomposição de danos morais e materiais, além do reembolso aos consumidores pelos serviços não prestados.
Resposta ao pedido de tutela de urgência no id.56645197.
Contestação no id.59767357 com preliminares de inépcia da inicial por falta de objetividade e suporte probatório e
ilegitimidade ativa por ausência de autorização para representação processual. No mérito, ressalta sua relevância para o
setor turístico nacional e refuta qualquer comportamento ilícito.
Manifestação do Ministério Público no id.112814536, prestigiando a inicial.
É O QUE HÁ DE RELEVANTE A RELATAR.
Quanto ao feito nº 0854669-59.2023.8.19.0001, deve seguir em réplica, buscando-se a equalização das fases
processuais para prosseguimento conjunto e concomitante.
Quanto ao feito nº 0871577-31.2022.8.19.0001:
Em primeiro plano, rejeito as preliminares de inépcia da inicial e falta de interesse processual.
A primeira, porque a peça inaugural desenvolve com clareza a causa de pedir e pedidos, não sendo mais específica em
razão da dimensão que o alegado dano pode ter alcançado; não por outro motivo a norma legal referente às ações
coletivas contenta-se com a explanação acerca dos fatos, propiciando pedido genérico em razão da diversidade de
pessoas que podem ter sido lesadas.
A segunda, porque, como se percebe, tais alegações confundem-se com o mérito, pois dependentes das provas a
serem produzidas, e com ele serão analisadas. Vale dizer: diante da proclamação de irregularidade no procedimento
comercial e da imputação de responsabilidade pelos fatos descritos na inicial, e tendo o Direito brasileiro adotado a
Teoria da Asserção, mostra-se presente a necessidade/utilidade do provimento jurisdicional buscado.
Superadas as preliminares, também não vejo razão para a suspensão do feito por conta da tramitação paralela de
procedimento administrativo, porquanto diversas as instâncias e as sanções aplicáveis.
Processo em ordem, sem vícios formais, declaro-o saneado.
Considerando ausente qualquer discórdia quanto à prestação dos serviços pela requerida, a controvérsia consiste em
verificar se existentes empecilhos ilegítimos postos pela parte ré para reembolso aos consumidores que a ele tem direito
e se há má prestação dos serviços quanto ao agendamento das viagens contratadas, apurando-se a responsabilidade e
amplitude do dano material.
Quanto aos danos extrapatrimoniais que o autor alega ter sido causado, a questão a ser verificada é se houve ou não
resultado que extrapole o mero aborrecimento.
Não vejo razão para a inversão do ônus probatório. Destarte, estabeleço o ônus da prova, quanto
aos fatos constitutivos do direito afirmado na inicial, para o autor. Será das rés o ônus da prova
quando aos fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito autoral.
A questão de direito a ser debatida reside na retroatividade ou não das regras legais específicas de conduta das
empresas de turismo com relação aos consumidores por conta da pandemia COVID-19.
Defiro a prova documental já produzida até aqui, até mesmo em atenção ao ditado pelo artigo 350, do CPC. No mais,
confirmem as partes, justificadamente as provas que ainda pretendam produzir, notadamente diante das delimitações
impostas nesta decisão.
Quanto às tutelas de urgência requeridas
Para análise das tutelas de urgência requeridas pelo Parquet, verdadeiramente deve-se enfrentar desde logo a questão
da retroatividade das normas específicas editadas com foco nas empresas de turismo por força da crise pandêmica.
Assevera a requerida que a motivação do legislador para a edição das normas subsequentes foi, justamente, propiciar
um caminhar mais possível às empresas que vinham sofrendo com a crise. Destarte, os benefícios trazidos devem ser
aplicados a todas as situações pendentes.
Já a parte autora finca-se no respeito ao ato jurídico perfeito para pedir a aplicação da norma vigente à época de seu
aperfeiçoamento.
Pois bem. Com efeito, a legislação propiciou às empresas de turismo uma facilidade maior para lidar com os problemas
relativos aos cancelamentos e que lhes vinham causando grande impacto econômico-financeiro. Contudo, não é por
isso que sua aplicabilidade deve ser ampliada. Longe disso, se a relação jurídica de consumo já estava estabelecida, há
de ser considerada como ato jurídico perfeito e, por isso mesmo, imune às alterações legislativas posteriores.
Vale dizer: às relações jurídicas existentes entre a requerida e seus consumidores deve ser aplicada a norma vigente na
época de sua constituição, respeitando-se o trato aperfeiçoado.
Firmada essa premissa, o quadro fático trazido aos autos, complementado, inclusive, pelas diversas habilitações de
consumidores insatisfeitos, aponta para a ocorrência de várias ilicitudes com evidentes violações da lei com relação à
esfera privada dos consumidores lesados.
E não se olvide que o inc. VI do art. 6º do CDC assegura ao consumidor a efetiva reparação dos danos patrimoniais e
morais, individuais, coletivos e difusos, respondendo objetivamente o seu causador.
Todos esses aspectos evidenciam a existência do fumus boni juris.
O art. 84, § 3º, do CDC, de seu lado, autoriza tutela liminar quando relevante o fundamento da demanda e houver
justificado receio de ineficácia do provimento final.
O contexto da causa expõe uma situação preocupante porquanto há uma enorme gama de consumidores afetados
pelas atividades da empresa ré, os quais já se ressentem da ausência de recomposição dos danos sofridos.
Diante disso, DEFIRO a liminar requerida e determino à Ré que, no prazo de 48 horas, reembolse os consumidores que
assim o desejarem, na forma requerida pelo Ministério Público nos itens 1 a 5 do pedido liminar contido na peça
inaugural, sob pena de multa de R$10.000,00 (dez mil reais) por cada infração verificada.
DEFIRO, ainda, a liminar, para determinar à Ré que atenda com o ofertado no mercado de consumo, observando as
datas opcionais fornecidas pelo consumidor de modo que seja efetivamente cumprido o serviço turístico contratado, bem
como a fornecer as informações inerentes a tal serviço, sob pena de multa de R$10.000,00 (dez mil reais) por cada
infração verificada.
Por outro lado, quanto ao pedido de indisponibilidade de valores pertencentes à requerida, penso ser incompatível com
o pedido de reembolso imediato dos valores pagos, porquanto, por lógica consequência, isso impediria o cumprimento
do comando. Para além disso, não vejo na inicial qualquer justificativa válida para o receio de dilapidação do patrimônio.
Fica, ao menos por enquanto, indeferido o bloqueio.
Intimem-se. Ciência pessoal ao MP.
2- Quanto às diversas adesões para aproveitamento de eventual sentença de procedência e que se traduzem em
renúncia à propositura de ações individuais sobre o tema, nada a prover por ora.
3- Ao Cartório para, em atendimento ao MP, certificar acerca da tempestividade da contestação e sobre o patrocínio da
requerida e anotações respectivas.
RIO DE JANEIRO, 4 de junho de 2024.
PAULO ASSED ESTEFAN
Juiz Titular
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