domingo, 23 de junho de 2024

Tratamentos ligados à saúde mental fazem disparar gastos dos planos com reembolso

Nesta semana, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) isentou os planos de saúde de cobrir sessões de psicopedagogia para pessoas com transtorno do espectro autista (TEA) aplicadas em escolas e em casa. Ao mesmo tempo, reiterou a obrigação da cobertura a tratamentos multidisciplinares, como musicoterapia e equoterapia, evidenciando uma das mais difíceis mudanças estruturais já vividas pela área. Se por um lado as famílias sofrem ao receber o diagnóstico e tentam melhorar a qualidade de vida dos pacientes com as terapias existentes, de outro os planos "Já recebi na WTW contas de terapias para serem reembolsadas que superavam o R$ 1 milhão", diz Walderez Fogarolli, diretora gestão da saúde na Willis Towers Watson, consultoria que ajuda empresas a gerenciar as despesas de saúde de seus funcionários. "Foram tratamentos individualizados com vários profissionais Segundo o Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos, em 2000, uma em cada 150 crianças tinha diagnóstico de TEA. Em 2020, último ano com dados disponíveis, era uma em cada 36. No Brasil, o último censo escolar, de 2021, registrou crescimento de 280% nos estudantes matriculados com TEA. O porcentual pode representar maior inclusão, mas também o crescimento do diagnóstico. Luís Fernando Joaquim, sócio da área de saúde na Deloitte, diz que, se antigamente essa condição era subdiagnosticada, com crianças sendo consideradas preguiçosas, lentas ou "atrasadas", hoje a situação pode estar se invertendo com sobrediagnósticos. "Tem crianças que custam R$ 30 mil, R$ 40 mil por mês, com 40 horas de suporte semanais", diz ele. "É como se fosse uma escola só de terapias." Segundo ele, esse quadro foi um dos motivos que ajudou na situação de dificuldade atual dos planos de saúde. Também contribuíram o crescimento de sequelamentos de covid-19, bem como doenças que se agravaram pelo não tratamento durante a pandemia e entrada de 4 milhões de novos pacientes no sistema. "Quando a pessoa passa a ter plano, ela chega com uma demanda reprimida enorme", diz ele. Isso fez com que, nos últimos três anos, os planos de saúde tivessem déficits operacionais, segundo a ANS. O último trimestre com dados positivos foi entre outubro e dezembro de 2021, quando as operadoras de saúde e odontológicas tiveram lucro de R$ 616 milhões. De lá para cá, foram ladeira abaixo. No terceiro trimestre de 2022, as perdas somavam R$ 11 bilhões, sendo repetidas consecutivamente, em valores menores, porém sempre bilionários. No primeiro trimestre deste ano, o resultado operacional ficou negativo em R$ 1,1 bilhão. Para os especialistas, haverá ajustes. "Não existe sistema sem limites e não se pode deixar a regulação para o judiciário, que vai decidir sempre em favor da pessoa física que ajudarão no estabelecimento dessa política pública. Além disso, os planos têm tomado suas próprias medidas de contenção. Segundo Bruno Porto, sócio da consultoria e auditoria PwC Brasil, entre as medidas estão a oferta de profissionais qualificados pelos planos, bem como a internalização desses procedimentos dentro de sua própria rede. "Além do custo, o objetivo é ter melhor desfecho para o tratamento", diz ele. Por trás, há o conceito de saúde baseada em valor, que procura dar atendimento aos problemas no início, quando os tratamentos são mais baratos. "O cuidado com saúde mental hoje pode evitar um grande sinistro mais à frente", afirma Porto. "Saúde é um negócio de margens apertadas e precisa ter desfechos positivos com o menor custo possível." Outro problema, diz ele, está no que chama de "desalinhamento de expectativas". Porto conheceu recentemente os sistemas de saúde de China, Dinamarca e Inglaterra de perto e diz que, mesmo de alta qualidade e universal à população daqueles países, são mais espartanos do que o atendimento dos planos de saúde brasileiros. Como os planos são pagos (mesmo que pela empresa), o usuário brasileiro tem a perspectiva de que precisa desfrutar ao máximo dos serviços para compensar os gastos. "Cada ator precisa refletir sobre suas responsabilidades para a melhoria de saúde e a sustentabilidade de todos", afirma.

Nenhum comentário:

Postar um comentário