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segunda-feira, 22 de julho de 2024
Autismo são 60% da alta do BPC para pessoa com deficiência
O aumento de diagnósticos de autismo e de decisões judiciais contra o
Estado são as principais razões para o crescimento do Benefício de
Prestação Continuada (BPC) para pessoas com deficiência. O número
de beneficiários do programa está subindo há dois anos, o que levou
o governo Lula a anunciar um pente-fino para cortar gastos.
O número de concessões do BPC para pessoas com deficiência
dobrou em dois anos. No primeiro semestre de 2022, foram 133 mil. A
partir do semestre seguinte, ainda no governo de Jair Bolsonaro e a
poucos meses das eleições, o BPC começou a crescer. No primeiro
semestre de 2024, o número chegou a 274 mil.
A principal razão desse crescimento são decisões judiciais que
obrigam o Estado a fornecer o BPC. Foram 31 mil benefícios para
pessoas com deficiência concedidos por ordem judicial no primeiro
semestre de 2022. E 79 mil, no primeiro semestre de 2024. São casos
negados pelo INSS — que faz a análise dos pedidos. Um dos motivos é
uma renda per capita acima de um quarto do salário mínimo.
A segunda principal razão é que a liberação de benefícios para
autistas triplicou. De 19 mil, no primeiro semestre de 2022, para 56
mil, no primeiro semestre de 2024. A maioria dos benefícios concedidos
— mais de nove a cada dez — foi para crianças e adolescentes.
Isso significa que judicialização e autismo explicam, sozinhos,
60% do aumento de concessões do BPC para pessoas com
deficiência. Só as decisões judiciais, 34%. E o autismo, 26%.
A liberação do BPC para as demais deficiências também subiu,
mas menos — um terço do aumento registrado pelo autismo. São
1.450 tipos de CID (Classificação Internacional de Doenças) diferentes.
A esquizofrenia, a segunda condição com mais BPCs aprovados,
passou de 5 mil para 8 mil novos benefícios, entre os primeiros
semestres de 2022 e 2024. Como o UOL mostrou, o BPC ficou quatro
anos estagnado, de 2018 a 2022, o que pode ter gerado um
represamento em todos os benefícios.
A reportagem analisou todos os BPCs concedidos pelo INSS para pessoas com
deficiência, de janeiro de 2022 a junho de 2024. São mais de um
milhão de registros.
O BPC paga um salário mínimo para idosos e pessoas com
deficiência de baixíssima renda. Hoje, o programa atende 3,3
milhões de pessoas com deficiência e 2,7 milhões de idosos. Uma
mesma família tem direito a até dois benefícios (para dois idosos, por
exemplo), além do Bolsa Família.
Em 2024, o orçamento do BPC deve passar de R$ 100 bilhões. É o
maior valor da história do programa, criado no final dos anos 1990. Já
em 2028, o custo pode se aproximar de R$ 160 bilhões, de acordo com
a Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2025, enviada pelo Executivo para
o Congresso.
O autismo é, hoje, a condição de saúde que mais gera concessão
do BPC pelo INSS. Em seguida, estão retardo mental leve ou
moderado, esquizofrenia, cegueira e TDAH.
A cada 100 novos benefícios para autistas em 2024, foram 11 para
cegueira — a deficiência física mais comum no BPC. A proporção
de outras condições mentais é de 21 para retardo mental leve ou
moderado, 15 para esquizofrenia e 10 para TDAH.
O autismo no BPC é maior do que os números mostram, porque
também está embutido em grande parte das decisões
judiciais. Mas não é possível dimensionar, pois não há dados do CID
(Classificação Internacional de Doenças) nos benefícios concedidos por
ordem da Justiça.
O número de diagnósticos de autismo está crescendo
globalmente. O Brasil não tem dados — embora o BPC sirva como um
termômetro. Nos Estados Unidos, a incidência era de 1 caso a cada
150 crianças em 2000. Subiu para 1 a cada 36, em 2020, de acordo
com o CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças) — órgão
com atribuições semelhantes à Anvisa no Brasil.
O BPC só é concedido após perícia médica presencial do INSS, o
que filtra fraudes. Mesmo crianças e adolescentes passam pela
perícia. Além disso, o número de benefícios para autistas está subindo
em todo o país, o que corrobora que se trata de um crescimento
estrutural.
Os números revelam um cenário difícil para a redução do
orçamento do BPC. Uma eventual economia obtida com o combate a
fraudes pode ser diluída pela continuidade do crescimento do
programa. A mesma lógica ocorreu com o Bolsa Família. O governo
Lula cortou quase dois milhões de solteiros — grupo em que havia
fortes indícios de fraude. Ainda assim, o orçamento do programa subiu,
pois o número de beneficiários cresceu e o valor do benefício também.
Decisões judiciais não podem ser descumpridas, o que limita a
margem de ação do governo. Uma das possíveis soluções seria
mudar regras que hoje abrem espaço para a judicialização. Uma delas
é a autorização para que famílias descontem parte dos gastos de
saúde para se encaixar no limite de renda do programa. Grupos que
defendem os direitos de pessoas com deficiência pleiteiam o contrário,
o aumento do limite para meio salário mínimo.
Dificultar o acesso de autistas ao BPC pode gerar danos sociais —
e custos políticos. O corte recente de beneficiários autistas de planos
de saúde, por exemplo, recolheu assinaturas no Congresso para a
abertura de uma CPI sobre o tema.
O número de autistas que pleiteiam o BPC deve continuar
crescendo, segundo grupos que trabalham com o tema. "Há uma
demanda represada. Por mais que a gente esteja vendo um aumento
de diagnósticos de autismo, ainda tem muito autista sem diagnóstico. O
número de autistas no BPC vai continuar crescendo, conforme os
diagnósticos vão sendo feitos", diz Andréa Werner, deputada estadual
de São Paulo (PSB), presidente da Comissão dos Direitos das Pessoas
com Deficiência da Assembleia paulista.
Como a maioria dos autistas já aprovados no BPC são crianças,
os benefícios terão um caráter duradouro. Atravessarão a
adolescência e, depois, a vida adulta. Um período de tempo maior que
o BPC pago para idosos, por exemplo. É algo que deve ser
considerado na hora de prever o orçamento do programa para os
próximos anos.
No caso dos idosos, o BPC também está crescendo, o que é
esperado, já que a população está envelhecendo. Além disso,
conforme as regras de acesso à Previdência ficam mais rígidas, mais
pessoas devem recorrer ao BPC, mesmo que de forma temporária, até
conseguirem a aposentadoria.
O BPC entrou na mira dos cortes do governo Lula após a
disparada do dólar. Em 3 de julho, o ministro Fernando Haddad
(Fazenda) anunciou o corte de R$ 25,9 bilhões nos benefícios sociais
— o BPC entre eles. "É um número que foi levantado linha a linha do
orçamento, daquilo que não se coaduna com o espírito dos programas
sociais que foram criados", disse Haddad. O Ministério da Fazenda não
quis informar qual é o valor que deve ser cortado só do BPC.
A partir de agosto, 800 mil pessoas devem ser convocadas para a
reavaliação de benefícios, incluindo o BPC. A revisão será feita pelo
INSS. Auxílio-doença e de aposentadoria
por invalidez também estão na mira.
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